Aquele que utiliza com exclusividade determinado imóvel que também pertença a outro herdeiro, ex-cônjuge, ex-companheiro ou por outro motivo um simples coproprietário ou copossuidor pode ser cobrado por este pelo aluguel mensal proporcional do referido imóvel, desde que se considere não haver anuência deste e ainda haver resistência, por parte de quem utiliza, à utilização concomitante por parte do outro, ou se considere haver pelo menos um impedimento de cunho psicológico a tal utilização concomitante.
A pretensão de cobrança de aluguel com tal fundamento seria veiculada através de uma Ação de Arbitramento de Aluguel c/c Cobrança e teria forte respaldo na legislação, na doutrina e na jurisprudência brasileiras.
Neste sentido, confira-se primeiramente o disposto nos Artigos 1.791, 1.314, 1.319 e 884 do Código Civil de 2002 c/c o Artigo 323 do Novo Código de Processo Civil, os quais seguem transcritos abaixo, a fim de facilitar sua visualização:
“Art. 1.791. A herança defere-se como um todo unitário, ainda que vários sejam os herdeiros.
Parágrafo único. Até a partilha, o direito dos co-herdeiros, quanto à propriedade e posse da herança, será indivisível, e regular-se-á pelas normas relativas ao condomínio.”
“Art. 1.314. Cada condômino pode usar da coisa conforme sua destinação, sobre ela exercer todos os direitos compatíveis com a indivisão, reivindicá-la de terceiro, defender a sua posse e alhear a respectiva parte ideal, ou gravá-la.
Parágrafo único. Nenhum dos condôminos pode alterar a destinação da coisa comum, nem dar posse, uso ou gozo dela a estranhos, sem o consenso dos outros.”
“Art. 1.319. Cada condômino responde aos outros pelos frutos que percebeu da coisa e pelo dano que lhe causou.”
“Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.
Parágrafo único. Se o enriquecimento tiver por objeto coisa determinada, quem a recebeu é obrigado a restituí-la, e, se a coisa não mais subsistir, a restituição se fará pelo valor do bem na época em que foi exigido.”
“Art. 323. Na ação que tiver por objeto cumprimento de obrigação em prestações sucessivas, essas serão consideradas incluídas no pedido, independentemente de declaração expressa do autor, e serão incluídas na condenação, enquanto durar a obrigação, se o devedor, no curso do processo, deixar de pagá-las ou de consigná-las.”
Em segundo lugar, confira-se o seguinte ensinamento de Luiz Antonio Scavone Junior (Direito Imobiliário – Teoria e Prática, 7a edição, Rio de Janeiro: Editora Forense, 2014, página 405):
“Se o imóvel é comum e está sendo utilizado por um dos condôminos com exclusividade, nos parece evidente que o uso exclusivo deve representar a compensação pelo comproprietário, em respeito ao direito de fruição inerente à parte do domínio que o compete.
Assim, por exemplo, se irmãos são proprietários de imóvel recebido em razão de sucessão, nada obsta que aquele que não esteja na posse direta do imóvel cobre aluguel daquele que está fruindo na sua totalidade, proporcionalmente à quota do prejudicado.
O termo inicial da contagem do aluguel é a notificação dirigida ao condômino que faz uso exclusivo do bem imóvel, embora haja entendimento em sentido contrário, determinando a citação para a ação de arbitramento dos aluguéis como termo inicial.”
Por fim, confira-se a seguir alguns precedentes do Superior Tribunal de Justiça e julgados do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro que corroboram tal pretensão:
Recurso Especial no 570.723/RJ, julgado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça em 27 de março de 2007, sob a relatoria da Ministra Nancy Andrighi:
“Direito civil. Recurso especial. Cobrança de aluguel. Herdeiros. Utilização exclusiva do imóvel. Oposição necessária. Termo inicial. - Aquele que ocupa exclusivamente imóvel deixado pelo falecido deverá pagar aos demais herdeiros valores a título de aluguel proporcional, quando demonstrada oposição à sua ocupação exclusiva. - Nesta hipótese, o termo inicial para o pagamento dos valores deve coincidir com a efetiva oposição, judicial ou extrajudicial, dos demais herdeiros. Recurso especial parcialmente conhecido e provido.” (Grifos nossos)
Recurso Especial no 622.472/RJ, julgado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça em 19 de agosto de 2004, sob a relatoria da Ministra Nancy Andrighi:
“Recurso especial. Civil. Ação de cobrança de aluguel. Utilização exclusiva de imóvel em condomínio. Possibilidade. - É possível a cobrança de alugueres pelo uso exclusivo de imóvel em condomínio quando houver resistência do ocupante à fruição concomitante do imóvel. - Igualmente factível essa cobrança, quando a simples ocupação do bem por um dos consortes representar impedimento de cunho concreto, ou mesmo psicológico, à utilização simultânea pelos demais condôminos, circunstância exemplificada na utilização de imóvel comum por cônjuge após a separação e antes da partilha, situação que representa óbvio impedimento prático ao usufruto comum do bem. - Na ausência dessas possibilidades, o que ocorre no caso concreto, caracteriza-se o desinteresse dos condôminos não-ocupantes em usufruir da coisa em comum, o que inviabiliza a posterior cobrança de alugueres. Recurso especial provido.” (Grifos nossos)
Apelação Cível no 0018643-73.2005.8.19.0083, julgada pela Décima Nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro em 06 de dezembro de 2011, sob a relatoria do Desembargador Guaraci de Campos Vianna:
“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. PRETENSÃO DE ARBITRAMENTO DE ALUGUÉIS PELO USO EXCLUSIVO POR PARTE DO RÉU DO ÚNICO BEM IMÓVEL DEIXADO PELO DE CUJUS, GENITOR DE AMBAS AS PARTES. HERANÇA QUE, ENQUANTO NÃO EFETUADA A PARTILHA É INDIVISÍVEL, O QUE IMPEDE QUE UM DOS HERDEIROS FAÇA USO DO BEM DO ESPÓLIO SEM ANUÊNCIA DOS DEMAIS. OS HERDEIROS PASSAM A SER CO-TITULARES DO PATRIMÔNIO DEIXADO PELO FALECIDO, DEVENDO SER OBSERVADAS AS MESMAS REGRAS RELATIVAS AO CONDOMÍNIO, O QUE ESTÁ EXPRESSAMENTE ESTABELECIDO NO ART. 1.791 DO CÓDIGO CIVIL/02. DEPOIMENTOS TESTEMUNHAIS QUE COMPROVAM A RESISTÊNCIA POR PARTE DO HERDEIRO OCUPANTE DO IMÓVEL À FRUIÇÃO CONCOMITANTE DO IMÓVEL. INDENIZAÇÃO DEVIDA. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. RECURSO DESPROVIDO.” (Grifos nossos)
Apelação Cível no 0027407-74.2008.8.19.0202, julgada pela Décima Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro em 30 de março de 2011, sob a relatoria do Desembargador Elton Martinez Carvalho Leme:
APELAÇÃO CÍVEL. ARBITRAMENTO E COBRANÇA DE ALUGUEL DE BEM IMÓVEL COMUM. INVENTÁRIO. PARTILHA NÃO EFETUADA. NOTIFICAÇÃO EXTRAJUDICIAL. OBRIGATORIEDADE DE REMUNERAÇÃO PELO USO EXCLUSIVO DE IMÓVEL COMUM POR UM DOS CONDÔMINOS. LIMITAÇÃO À DATA DA ENTREGA DAS CHAVES. CABIMENTO. DESPROVIMENTO DO RECURSO. 1. Nulidade da sentença que se rejeita, uma vez que a sentença foi proferida nos limites do pedido formulado na inicial. Sendo o pedido e a causa de pedir no sentido de que os alugueres são devidos desde janeiro de 2007 até a data de encerramento do inventário e deixando a ré de depositar as chaves em juízo, inexiste o alegado julgamento ultra petita. 2. Com a abertura da sucessão, impõe-se, transitoriamente, até a partilha, o regime de comunhão hereditária. Os herdeiros passam a ser co-titulares do patrimônio deixado pelo falecido, com observância das regras relativas ao condomínio. 3. A fruição exclusiva do bem inventariado por um dos herdeiros, com a oposição dos demais, dá ensejo à indenização proporcional à parte que não se beneficia da utilização do bem, sob pena de caracterizar enriquecimento ilícito. 4. O herdeiro que permanece com a posse exclusiva do bem deve indenizar o outro pela utilização do imóvel a partir da notificação para o pagamento, se por eles não foi adotada outra fórmula de pagamento. 5. Não há que se falar em excesso se a indenização foi fixada em consonância ao pedido formulado na inicial, mostrando-se razoável e proporcional, tendo como termo inicial a data da notificação extrajudicial e termo final a data da entrega das chaves em juízo. 6. Desprovimento do recurso. (Grifos nossos)
Agravo Regimental no Recurso Especial no 1.456.716/DF, julgado pela Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça em 18 de abril de 2017, sob a relatoria do Ministro Raul Araújo:
“AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. FAMÍLIA. UNIÃO ESTÁVEL. RESSARCIMENTO DE ALUGUEL POR USO EXCLUSIVO DE BEM COMUM AINDA NÃO PARTILHADO FORMALMENTE. AUSÊNCIA DE DEFINIÇÃO DA PARTE QUE TOCA A CADA UM DOS EX-CÔNJUGES. IMPOSSIBILIDADE DA COBRANÇA. JURISPRUDÊNCIA DO STJ. MULTA. NÃO CABIMENTO. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. A Segunda Seção desta Corte adotou posicionamento de que, "na separação e no divórcio, sob pena de gerar enriquecimento sem causa, o fato de certo bem comum ainda pertencer indistintamente aos ex-cônjuges, por não ter sido formalizada a partilha, não representa automático empecilho ao pagamento de indenização pelo uso exclusivo do bem por um deles, desde que a parte que toca a cada um tenha sido definida por qualquer meio inequívoco" (REsp 1.250.362/RS, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 08/02/2017, DJe de 20/02/2017). 2. Na hipótese, não houve definição ou reconhecimento inequívoco da cota que caberia a cada uma das partes sobre o imóvel em comento, não se prestando, para tanto, apenas o registro público do imóvel em que ambos constam como adquirentes, especialmente no caso em que expressamente indeferida a partilha do bem, por decisão transitada em julgado, ante a controvertida contribuição das partes para a aquisição do imóvel. 3. O agravo interno não se configura manifestamente inadmissível ou improcedente, razão pela qual descabe falar em incidência da multa do art. 1.021, § 4º, do CPC/2015. 4. Agravo interno a que se nega provimento.” (Grifos nossos)
Agravo de Instrumento no 0015987-81.2017.8.19.0000, julgado pela Vigésima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro em 04 de outubro de 2017, sob a relatoria da Desembargadora Conceição Aparecida Mousnier Teixeira de Guimarães Pena:
“Agravo de Instrumento. Ação de arbitramento de aluguel. Divórcio. Bem imóvel adquirido durante o casamento sob a posse do ex-cônjuge varão. Decisão de arbitramento de aluguel no valor de R$ 600,00. Inconformismo do Réu. Entendimento desta Relatora quanto a manutenção do decisum. De fato, o divórcio do casal foi decretado em dezembro de 2014 (autos n.º 0038976-90.2013.8.19.0204), permanecendo o ex-cônjuge varão a residir no imóvel. Preliminarmente não há que se falar em violação ao princípio do contraditório. Com efeito, os presentes autos foram apensados aos autos da ação de partilha em 21/10/2015 (anexo 1/000035), ocorrendo a citação do Agravante (anexo 1/000087) que inclusive apresentou contestação (anexo 1/000112). Ademais, independente da citação, a percepção dos valores se dará apenas a partir da citação do réu. Ou seja, o mero arbitramento não enseja desde já o pagamento destes valores por parte do Agravante. Quanto ao mérito, segundo recentíssimo entendimento do E. Superior Tribunal de Justiça, a fim de se evitar o enriquecimento sem causa, é possível, mesmo antes da partilha formal, a estipulação de indenização pelo uso exclusivo de imóvel de propriedade comum por um dos ex-cônjuges, desde que a parte que toca a cada um tenha sido definida por qualquer meio inequívoco. Com efeito, com a permanência exclusiva de um dos ex-cônjuges no imóvel, é devido o pagamento de aluguel provisório por quem nele reside até que o bem seja alienado e o produto da alienação dividido entre ambos, sob pena de enriquecimento indevido do morador. Neste passo, deve ser ressaltado que o valor arbitrado a título de aluguel foi embasado em parecer técnico de avaliação realizado em 14/12/2006 (anexo 1/000054 - fl. 57). Com efeito, o Agravante não trouxe aos autos qualquer comprovação de que o valor arbitrado esteja acima da média do mercado, sendo certo que o Juízo considerou o valor venal do imóvel fixado pela Prefeitura (ITBI/2016) - anexo 1/000043 - fl. 43. Precedentes do E. STJ e do TJERJ. REVOGAÇÃO DO DEFERIMENTO DO EFEITO SUSPENSIVO (FL. 35). DESPROVIMENTO DO AGRAVO DE INSTRUMENTO.” (Grifos nossos)
Agravo de Instrumento no 0043330-52.2017.8.19.0000, julgado pela Décima Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro em 08 de novembro de 2017, sob a relatoria do Desembargador Eduardo de Azevedo Paiva:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO DE FAMILIA. AÇÃO DE DIVÓRCIO E PARTILHA. DECISÃO QUE FIXOU ALUGUEL DEVIDOS PELA MULHER PELO USO EXCLUSIVO DE IMÓVEL COMUM. PARTILHA AINDA NÃO REALIZADA. AUSÊNCIA DE DEFINIÇÃO DA PARTE QUE TOCA A CADA UM. DESCABIDA A INDENIZAÇÃO A TÍTULO DE ALUGUEL ANTES DE DEFINIDA A PARTILHA. PRECEDENTES DO STJ. PROVIMENTO AO RECURSO.” (Grifos nossos)
Ressalve-se, contudo, que um herdeiro não pode cobrar aluguel do cônjuge ou companheiro supérstite (sobrevivente), em razão do direito real de habitação, que tem caráter gratuito, conforme decidiu o Superior Tribunal de Justiça quando do julgamento do Recurso Especial no 1.846.167/SP.
Assim sendo, se você é um herdeiro, ex-cônjuge, ex-companheiro ou por outro motivo um simples coproprietário ou copossuidor de um imóvel e se sente prejudicado pela utilização exclusiva de tal imóvel por parte do outro herdeiro, ex-cônjuge, ex-companheiro, coproprietário ou copossuidor, poderá propor uma Ação de Arbitramento de Aluguel c/c Cobrança com o intuito de pleitear indenização correspondente ao aluguel mensal do referido imóvel, em razão da não fruição concomitante do mesmo, até a eventual alienação de tal imóvel, sua adjudicação por parte do outro ou o desapossamento do outro por qualquer motivo.