Das considerações iniciais.
Sabe-se que, quando uma pessoa falece, os bens que compõem o seu patrimônio devem ser inventariados para fins sucessórios, sendo que, se o falecido era casado ou mantinha união estável, tal patrimônio engloba tanto os bens particulares do falecido quanto os bens comuns do casal, de modo que cabe ao cônjuge ou companheiro sobrevivente pleitear a sua meação sobre os bens comuns do casal e eventual quinhão da herança sobre os bens particulares do falecido no bojo do Inventário, observado que, se não houver ascendentes ou descendentes vivos nem herdeiro testamentário ou legatário, o cônjuge ou companheiro sobrevivente terá direito a toda a herança, além do direito à sua meação.
Sabe-se ainda que a meação não se confunde com a herança, bem como que, por força do Princípio de Saisine, positivado no Artigo 1.784 da Lei no. 10.406/2002 ("CC/2002"), a Lei considera que, no exato momento do óbito, os bens que compõem a herança são automaticamente transmitidos aos seus herdeiros legítimos e testamentários (bem como aos legatários, por força do Artigo 1.923 do CC/2002), contudo, por força do Princípio da Indivisibilidade, positivado no Artigo 1.791 do CC/2002, os bens do espólio (o que inclui tanto a herança deixada pelo falecido quanto a meação do cônjuge ou companheiro sobrevivente) permanecem em estado de indivisibilidade até o momento da partilha, regendo-se pelas regras relativas ao condomínio.
Da sucessão do sócio falecido de sociedade contratual.
Feitas estas considerações iniciais, passamos a analisar como se dá a sucessão de sócio falecido de sociedade contratual, adiantando que, no contexto de tal sociedade, o falecimento de um sócio não alça automaticamente os sucessores à condição de sócio ou sócios, sucedendo o falecido, o que está em consonância com o Princípio da Affectio Societatis.
Pois bem.
Se o falecido era sócio de sociedade contratual, as quotas que eram de sua titularidade devem ser incluídas no Inventário e, a princípio, devem ser liquidadas (mediante resolução da sociedade em relação ao sócio falecido com apuração dos haveres) para fins de partilha dos valores apurados entre o cônjuge ou companheiro sobrevivente, os herdeiros e os legatários, conforme o caso.
Contudo, nos termos do Artigo 1.028 do CC/2002, não se procede à liquidação das quotas do falecido se:
(i) o Contrato Social dispuser diferentemente;
(ii) os sócios remanescentes optarem pela dissolução (total) da sociedade; ou
(iii) operar-se a substituição do sócio falecido, mediante acordo entre os sócios remanescentes e os sucessores do falecido aos quais tenham sido eventualmente atribuídas as quotas na partilha realizada no bojo do Inventário.
Quanto às possibilidades elencadas no Artigo 1.028 do CC/2002, fazemos os seguintes comentários:
(i) segundo a doutrina majoritária, eventual disposição contratual sobre o tema teria prevalência sobre as demais possibilidades ali elencadas, entendimento este que foi reforçado com a edição da Lei no. 13.874/2019 ("Lei da Liberdade Econômica") - neste sentido:
(a) Fábio Ulhoa Coelho (Manual de Direito Comercial (livro eletrônico): direito de empresa - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016), por exemplo, entende que, se houver cláusula expressa do Contrato Social, terão os sucessores do sócio falecido o "direito de ingressar na sociedade, mesmo contra a vontade dos sobreviventes";
(b) Natália Cristina Chaves (O falecimento de sócio na sociedade limitada) aborda a questão nos seguintes termos:
"Uma vez previsto no contrato que os herdeiros ingressarão na sociedade, caso haja o falecimento de um dos sócios, não é lícito aos remanescentes recusar tal ingresso. Isso porque se pré-obrigaram no sentido de assinarem a competente alteração contratual para fins de formalização da entrada desses herdeiros. Ou seja, prestaram um consentimento antecipado em favor da entrada de herdeiros para a sociedade.
Como bem salientado por José Waldecy Lucena, o contrato faz lei entre as partes (pacta sunt servanda).
Assim, caso seja da vontade dos herdeiros o ingresso na sociedade e havendo a recusa de algum dos sócios remanescentes quanto à assinatura da competente alteração contratual, caberá a execução específica da obrigação…";
(c) Aline França Campos e Luciana Fernandes Berlini (A sucessão do sócio de sociedade limitada empresária: a partilha de quotas e a necessidade de proteção da atividade econômica) consignam que "caso os sócios supérstites, contrariando a disposição contratual de continuação da sociedade com o(s) herdeiro(s) do sócio falecido, manifestem oposição ao ingresso do(s) mesmo(s), recusando-se a assinar a respectiva alteração contratual, ação que tenha por objeto prestação de fazer poderia ser proposta", cabendo consignar aqui que, para a solução de tal Ação, seria aplicável o disposto no Artigo 501 da Lei no. 13.105/2015 ("CPC/2015"), segundo o qual, "na ação que tenha por objeto a emissão de declaração de vontade, a sentença que julgar procedente o pedido, uma vez transitada em julgado, produzirá todos os efeitos da declaração não emitida"; e
(d) Sérgio Campinho (Curso de direito comercial: direito de empresa, 15a. edição, com prefácio de Sylvio Capanema de Souza - São Paulo: Editora Saraiva Educação, 2018), ao analisar o Artigo 600, inciso III, do CPC/2015, segundo o qual, a Ação de Dissolução Parcial de Sociedade pode ser proposta "pela sociedade, se os sócios sobreviventes não admitirem o ingresso do espólio ou dos sucessores do falecido na sociedade, quando esse direito decorrer do contrato social", esclarece que:
"A interpretação literal advinda de uma possível primeira leitura do texto deve ser de plano afastada, sob pena de conduzir a uma absurda conclusão pelo intérprete. Seria ela a de que se daria a possibilidade de a sociedade ajuizar a ação de apuração de haveres quando os sócios remanescentes não admitissem o ingresso dos sucessores na sociedade, a despeito de esse direito decorrer do contrato. Com efeito, não se pode obstruir a eficácia de cláusula do contrato social que assegure o ingresso dos sucessores do sócio falecido na sociedade. Seria uma agressão ao direito garantido. Contra ele, não podem os sócios sobreviventes se opor. Se o direito ao ingresso decorre do contrato (art. 1.028, I, do Código Civil), não há espaço para essa interdição do direito dos sucessores. Uma lei processual não pode, contrariando o disposto no direito material, incentivar o descumprimento do contrato, propondo a alternativa da apuração de haveres como solução para esse descumprimento.
Quer nos parecer, para se ter algum sentido, que o dispositivo normativo, mal formulado, refere-se à especial situação ligada ao caput e ao inciso III do art. 1.028 do Código Civil, em que o contrato social veda, inicialmente, o ingresso dos herdeiros, ou simplesmente se mostra silente, e os sócios sobreviventes não se dispõem a regular a substituição do sócio falecido por acordo com os herdeiros, como forma de se evitar a liquidação da quota. Nesse caso, o desfecho será a apuração de haveres do sócio falecido, que se mostra como caminho ordinário na espécie. O direito decorrente do contrato social, referido no preceito do inciso III do art. 600 do Código de Processo Civil reproduzido, seria o direito de não admissão dos herdeiros, que restaria reafirmado pelos sócios sobreviventes no caso concreto.
Mas, ainda assim, impende registrar que o ingresso pela sociedade com a ação de apuração dos haveres constitui mera alternativa, traduzindo o intento de que se realize em juízo. Nada impede, dando curso e efetividade à regra geral do art. 1.031 do Código Civil, que a sociedade os apure extrajudicialmente e disponibilize em favor dos sucessores o respectivo valor.";
(ii) o Tópico 4.5 do Manual de Registro de Sociedade Limitada aprovado pela Instrução Normativa no. 81/2020 do Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração ("DREI"), com a redação dada pela Instrução Normativa no. 112/2022 do DREI, consigna que a Cláusula do Contrato Social regulando as consequências do evento falecimento de sócio teria prevalência sobre as demais possibilidades acima, contudo, contraditoriamente, o mesmo Tópico do referido Manual consigna também que, na hipótese de existir Cláusula que permita o ingresso dos sucessores, podem os sócios remanescentes rejeitar o ingresso daqueles e realizar desde logo Alteração Contratual de modo a liquidar a quota do falecido, sem a necessidade de apresentação de Alvará e/ou Formal de Partilha; e
(iii) Waldo Fazzio Júnior (Manual de direito comercial, 17a. edição, revista, atualizada e ampliada - São Paulo: Editora Atlas, 2016), por sua vez, assim se posiciona sobre a questão da prevalência ou não de disposição contratual admitindo o ingresso dos sucessores de sócio falecido na sociedade:
"Em princípio, se os herdeiros participarão ou não da sociedade ao lado dos consócios remanescentes, é questão dependente do exame do contrato social. De qualquer forma, estes poderão alterar a cláusula permissiva, promovendo a liquidação da parte do sócio falecido e pagando aos herdeiros o que lhes compete."
(iv) Aline França Campos e Luciana Fernandes Berlini (A sucessão do sócio de sociedade limitada empresária: a partilha de quotas e a necessidade de proteção da atividade econômica), apoiadas em Fábio Ulhoa Coelho, entendem que as sociedades limitadas sujeitas à regência supletiva das normas das sociedades anônimas seriam sociedades de capitais (em oposição às sociedades limitadas sujeitas à regência supletiva das normas das sociedades simples, que seriam sociedades de pessoas) e, em função disso, não se permitiria aos seus sócios o exercício do direito de retirada imotivada previsto no Artigo 1.029 do CC/2002 nas sociedades de prazo indeterminado, nem seria aplicável o Artigo 1.028 do CC/2002, de modo que, em caso de falecimento de sócio, os sucessores substituiriam automaticamente o sócio falecido na sociedade, como ocorreria se se tratasse de uma sociedade anônima, entendimento este que foi ecoado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro quando do julgamento do Agravo de Instrumento objeto dos Autos Processuais no. 0010923-56.2018.8.19.0000, contudo:
(a) quando do julgamento do Recurso Especial no. 1.839.078/SP, o Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que incide a regra do Artigo 1.029 do CC/2002 às sociedades limitadas, sendo possível a retirada imotivada do sócio nas de prazo indeterminado, ainda que exista previsão no Contrato Social de aplicação supletiva das normas das sociedades anônimas, por decorrer da liberdade constitucional de não permanecer associado garantida pelo Artigo 5o., inciso XX, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 ("CRFB/1988"), bem como por decorrer da própria natureza das sociedades limitadas;
(b) Natália Cristina Chaves (O falecimento de sócio na sociedade limitada), com a qual concordamos, entende que "ainda que haja a previsão de regência supletiva do contrato social de uma dada sociedade limitada pelas normas aplicáveis às sociedades anônimas", não pode prevalecer o ingresso automático dos sucessores, isto porque, "analisando-se o caráter contratual da sociedade, bem como os dispositivos que a regulam, entre os quais o art. 1.057 do Código Civil, verificar-se-á que a entrada de terceiros estranhos ao quadro societário vincula-se à não oposição de titulares de mais de um quarto do capital social, salvo disposição contratual em sentido diverso", portanto, "ainda que prevista a dita regência supletiva, as normas das sociedades anônimas não se aplicam quanto ao aspecto ora examinado, prevalecendo o disposto no art. 1.028 do Diploma Civil, o qual melhor se coaduna com as peculiaridades do tipo societário em comento";
e
(c) há ainda doutrinadores, como José Edwaldo Tavares Borba (Direito Societário, 10a. edição, revista, aumentada e atualizada - Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2007), que distinguem aplicação subsidiária de aplicação supletiva e defendem que as sociedades limitadas são sempre regidas subsidiariamente pelas normas das sociedades simples, só cabendo a aplicação supletivas das normas das sociedades anônimas para suprir as omissões do Contrato Social, incidindo apenas em relação às normas dispositivas, entendimento este que tornaria aplicável o Artigo 1.028 do CC/2002, ainda que o mesmo tenha natureza dispositiva;
(v) por força da liberdade de associação prevista no Artigo 5o., inciso XX, da CRFB/1988, não podem os sucessores ser obrigados a ingressarem na sociedade na condição de sócios, mesmo havendo cláusula do Contrato Social estipulando uma substituição automática do sócio falecido pelos sucessores - neste sentido:
(a) José Waldecy Lucena (Das Sociedades Limitadas, 6a. edição, atualizada em face do novo Código Civil - Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2005) consigna que:
"Dentre tais assertos, por sua destacada importância, cumpre rememorar o de que a cláusula de continuação com os herdeiros do sócio falecido não é via de mão dupla, obrigando aos dois grupos interessados: se não podem os sócios supérstites, salvo justa causa, como já exposto, recusar os herdeiros do sócio em decesso (pacta sunt servanda), a cláusula já não se impõe, não obriga aos herdeiros, os quais somente ingressarão na sociedade se assim o desejarem, podendo, ao contrário, optar pelo recebimento dos respectivos haveres. Mesmo porque ninguém pode ser compelido, contra a sua vontade, a associar-se.";
(b) José Edwaldo Tavares Borba (Direito Societário, 10a. edição, revista, aumentada e atualizada - Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2007) consigna que:
"O falecimento do sócio (art. 1.028) acarretará, em princípio, a liquidação de suas cotas, com a apuração dos respectivos haveres em favor do espólio.
O contrato social poderá, contudo, disciplinar essa matéria, e prever a sucessão nas cotas, a qual, no entanto, somente ocorrerá se os herdeiros a tanto se dispuserem. Os que não aceitarem a condição de sócio, e ninguém a tanto poderá ser compelido, farão jus a uma apuração de haveres."; e
(c) Natália Cristina Chaves (O falecimento de sócio na sociedade limitada) consigna que:
"Se, por um lado, para os sócios remanescentes, a assinatura da competente alteração contratual para formalização da entrada dos herdeiros no quadro societário é uma obrigação, já que deram o prévio consentimento, por outro, tal assinatura é uma mera faculdade aos herdeiros.
(...)
Disso se infere que os herdeiros poderão recusar que substituam o sócio falecido na sociedade limitada, hipótese em que suas quotas deverão ser liquidadas…";
(vi) Natália Cristina Chaves (O falecimento de sócio na sociedade limitada) lembra que "por se tratar de matéria contratual, de caráter disponível e na qual prevalece a vontade das partes, não há dúvidas de que, a qualquer tempo, os interessados, de comum acordo, podem modificar as condições previamente estipuladas" no Contrato Social, observando-se que, caso tal modificação envolva interesse de incapazes, haveria a necessidade de autorização judicial;
(vii) quando se trata do falecimento do sócio único de sociedade unipessoal, podem os sucessores optar por qualquer das possibilidades elencadas acima;
(viii) ao julgar o Recurso Especial no. 1.422.934/RJ, o Superior Tribunal de Justiça considerou que a inclusão do espólio no Contrato Social, mediante Alteração Contratual arquivada na Junta Comercial competente (em especial se houver o regular exercício da atividade empresarial sob o novo quadro societário por longo período) denotam a concreta intenção das partes de ajustarem a sucessão do sócio falecido, podendo-se colher do Voto da respectiva Ministra-Relatora o que segue:
"14. De outro lado, convencionando os herdeiros e sócios remanescentes acerca da sucessão do sócio falecido, a correspondente alteração do contrato social far-se-á, num primeiro momento, por intermédio da inclusão do espólio no quadro societário.
15. Assim, a sucessão do de cujus na sociedade, como afirmado, não é automática, mas também não é vedada pela legislação nacional; depende sim de acordo de vontades entre herdeiros e sócios remanescentes. E existindo concretamente este acordo, os direitos a serem exercidos pelo espólio perante a sociedade transmudam-se de meros direitos creditórios para direitos sociais inerentes ao vínculo societário, no que o espólio será representado pelo inventariante, ainda nos termos do referido art. 1.056. Nesse sentido é a lição de Sérgio Campinho (O direito de empresa à luz do código civil. 12ª ed. rev. e at. Rio de Janeiro : Renovar, 2011. p. 210): Ocorrendo a sucessão do sócio falecido, os direitos derivados da condição de sócio serão exercidos perante a sociedade pelo inventariante do espólio até que se ultime a partilha.
16. Importante frisar que, mesmo nessas situações, o espólio não será sócio da empresa, mas cumprirá, até a conclusão da partilha, o papel social, por meio de seu inventariante, exercendo todos os direitos e obrigações sociais inerentes. Desse modo, ultimada a partilha, o quadro societário será novamente adequado para incluir como sócios aqueles a quem foram atribuídas as quotas sociais, na forma da partilha, e admitidos por consenso entre as partes.
17. A princípio, esta parece uma realidade inusitada, posto que em sociedades de pessoas, prepondera a natureza personalíssima das relações estabelecidas, causando estranheza a anuência com a sucessão do sócio antes mesmo de se conhecer o resultado da partilha. No entanto, o espólio é caracterizado pelo conhecimento prévio dos herdeiros, e é possível – mesmo provável, como na hipótese dos autos – que todos os envolvidos tenham relações próximas desde antes do falecimento do de cujus.
18. Nesse contexto é que se deve entender a própria faculdade legal de sucessão do sócio falecido em sociedades de pessoas.
19. Não se afirma com isso que existirá affectio societatis entre sócios remanescentes e herdeiros. Mas existindo o interesse na sucessão, esta possibilidade, garantida e albergada pela legislação, será materializada por meio da inclusão do espólio no quadro societário.
20. Por outro ângulo, inexistindo affectio societatis entre sócios remanescentes e herdeiros, impõe-se a imediata apuração dos haveres e liquidação das quotas, operando-se a dissolução parcial da sociedade, nos termos do referido art. 1.029 (rectius: art. 1.028) do CC/02.";
(ix) o ingresso de sucessor incapaz como sócio da sociedade depende da observância dos requisitos estabelecidos no §3o. do Artigo 974 do CC/2002, ressalvando-se a existência do entendimento constante do Enunciado no. 467 das Jornadas de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal no sentido de que a exigência de integralização do capital social prevista em tal dispositivo não se aplica à participação de incapazes em sociedades com sócios de responsabilidade ilimitada nas quais a integralização do capital social não influa na proteção do incapaz;
(x) na hipótese dos sócios remanescentes optarem pela dissolução (total) da sociedade, podem os sucessores pleitear, com apoio nos Princípios da Função Social e da Preservação da Empresa, que se proceda apenas à dissolução parcial da sociedade em relação aos sócios remanescentes, visando à continuação das atividades da sociedade, mas agora tendo como sócios apenas os sucessores, conforme decidiu o Superior Tribunal de Justiça ao julgar o Recurso Especial no. 61.278/SP, bem como conforme entendimento de Natália Cristina Chaves (O falecimento de sócio na sociedade limitada), contudo, discordamos desta quando afirma que "havendo a previsão contratual de dissolução total da sociedade e a não ser que os sócios remanescentes e os herdeiros cheguem a um consenso em sentido diverso, deverão ser adotados os procedimentos no sentido da terminação da pessoa jurídica, com a extinção da sua personalidade e do contrato social", pois tal entendimento desprestigiaria os Princípios da Função Social e da Preservação da Empresa sem justificativa razoável, até porque não haveria nenhum prejuízo aos sócios retirantes, já que os haveres a que teriam direito seriam calculados "como se dissolução total se tratasse", como será visto abaixo - a propósito, saliente-se que há divergência doutrinária e jurisprudencial quanto ao meio processual adequado para se pedir a dissolução parcial em vez da dissolução total, neste sentido:
(a) José Waldecy Lucena (Das Sociedades Limitadas, 6a. edição, atualizada em face do novo Código Civil - Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2005), citando o decidido pelo Supremo Tribunal Federal quando do julgamento do Recurso Extraordinário no. 89.464/SP, entende que "manifestada em contestação, pelos consócios, o desejo de prosseguirem com a sociedade, tanto basta para que se julgue parcialmente procedente a ação dissolutória, para o fim de se decretar a dissolução parcial de sociedade", pois esta é "espécie do gênero dissolução", não obstante, o mesmo recomenda, ad cautelam, o oferecimento de reconvenção, sendo que, corroborando tal entendimento, o Superior Tribunal de Justiça decidiu, ao julgar o Recurso Especial no. 507.490/RJ, que, "não é extra petita a sentença que decreta a dissolução parcial da sociedade anônima quando o autor pede sua dissolução integral", embora tenha decidido em sentido contrário anteriormente, ao julgar o Recurso Especial no. 60.823/SP; ao passo que
(b) Flávio Luiz Yarshell e Felipe do Amaral Matos (O procedimento especial de dissolução (parcial) de sociedade no Projeto de CPC em Processo Societário - São Paulo: Editora Quartier Latin, 2012, coordenado por Flávio Luiz Yarshell e Guilherme Setoguti J. Pereira), citando outros doutrinadores, entendem que "a dissolução parcial é qualitativamente - e não quantitativamente - diferente da dissolução (total)", de modo que, "qualquer julgamento que imponha uma providência quando pedida a outra será extra petita";
(xi) eventual Ação de Dissolução Total de sociedade, caso necessária (ou seja, caso inviabilizada a dissolução total pela via extrajudicial, por algum motivo), deve tramitar pelo procedimento comum, por força do §3o. do Artigo 1.046 do CPC/2015;
(xii) alternativamente à previsão em cláusula do Contrato Social, os sócios podem optar por disciplinar a matéria objeto do Artigo 1.028 do CC/2002 em Acordo de Sócios; e
(xiii) as sociedades em comandita simples possuem uma regra especial, prevista no Artigo 1.050 do CC/2002, segundo o qual, "no caso de morte de sócio comanditário, a sociedade, salvo disposição do contrato, continuará com os seus sucessores, que designarão quem os represente", regra essa sobre a qual Fábio Ulhoa Coelho (Manual de Direito Comercial (livro eletrônico): direito de empresa - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016) faz o seguinte comentário:
"Morrendo sócio comanditado, dá-se a dissolução parcial da sociedade, a menos que o contrato social expressamente estipule o ingresso dos sucessores (CC, art. 1.028, I). Se falecer comanditário, a sociedade, em princípio, não se dissolve. Continuará com os sucessores, aos quais cabe indicar um representante (CC, art. 1.050). Apenas se previsto de modo expresso no contrato, os sobreviventes poderão liquidar as quotas do comanditário falecido. Varia, assim, de acordo com a espécie de sócio falecido, a natureza personalística ou capitalista da sociedade, no tocante às consequências da morte de sócio: entre os comanditados, ela é "de pessoas", salvo se o contrato dispuser em contrário, e, entre os comanditários, é "de capital", a menos que disposto em sentido diverso no contrato."
No que toca aos aspectos formais e procedimentais da concretização das possibilidades elencadas acima, dispõe o Tópico 4.5 do referido Manual que:
(i) a liquidação da quota do falecido e a dissolução total da sociedade dependem apenas de deliberação dos sócios remanescentes, sendo desnecessária:
(a) a apresentação de Alvará Judicial, Formal de Partilha ou Escritura Pública de Inventário Extrajudicial com Partilha de Bens;
(b) a ciência ou anuência prévia dos sucessores;
(c) a participação do inventariante;
(d) a comprovação do pagamento dos haveres devidos ao espólio do falecido; e
(ii) a substituição do sócio falecido pelos sucessores depende da apresentação de Alvará Judicial, Formal de Partilha ou Escritura Pública de Inventário Extrajudicial com Partilha de Bens.
Da sucessão do cônjuge ou companheiro do sócio de sociedade contratual.
Na hipótese de sucessão do cônjuge (ou companheiro) de sócio (ainda vivo) de sociedade contratual, aplica-se o disposto no Artigo 1.027 do CC/2002, segundo o qual "os herdeiros do cônjuge de sócio…não podem exigir desde logo a parte que lhes couber na quota social, mas concorrer à divisão periódica dos lucros, até que se liquide a sociedade", ou seja, os herdeiros do cônjuge (ou companheiro) de sócio (ainda vivo) não podem pedir a liquidação das quotas que integravam a meação do cônjuge (ou companheiro) falecido, tendo apenas o direito à percepção dos lucros a serem distribuídos ao final de cada exercício, se for apurado resultado positivo, salvo se a sociedade for dissolvida, ocasião em que poderão participar da divisão dos bens componentes do capital social e perceber a parte que lhes couber, ou ainda se as quotas do sócio pertinente forem liquidadas, por algum outro motivo.
A propósito, Sílvio de Salvo Venosa e Cláudia Rodrigues (Direito empresarial, 8a. edição - São Paulo: Editora Atlas, 2018) entendem que, na verdade, os herdeiros do cônjuge (ou companheiro) de sócio (ainda vivo) concorrem à divisão periódica dos lucros "até a satisfação do valor devido", como se os lucros distribuídos àqueles fossem considerados como pagamento parcial dos haveres, e não como frutos civis do capital, entendimento esse do qual discordamos.
Por oportuno, embora fugindo do escopo do presente trabalho, cumpre destacar que o Parágrafo único do Artigo 600 do CPC/2015, ao estatuir que "o cônjuge ou companheiro do sócio cujo casamento, união estável ou convivência terminou poderá requerer a apuração de seus haveres na sociedade, que serão pagos à conta da quota social titulada por este sócio", derrogou (revogou parcialmente) o Artigo 1.027 do CC/2002, de modo a excluir a aplicação deste em relação ao cônjuge (ou companheiro) de sócio (ainda vivo), mas mantendo-se a sua aplicação em relação aos herdeiros daquele.
Neste sentido, confira-se o entendimento de Sérgio Campinho (Curso de direito comercial: direito de empresa, 15a. edição, com prefácio de Sylvio Capanema de Souza - São Paulo: Editora Saraiva Educação, 2018):
"DOS DIREITOS DOS HERDEIROS DO CÔNJUGE DO SÓCIO E DO CÔNJUGE SEPARADO JUDICIALMENTE
O Código Civil de 2002 obsta que os herdeiros ou sucessores do cônjuge falecido de sócio, bem como que o cônjuge do sócio que dele se separou judicialmente, exijam a parte que lhes couber na quota social, direito esse que ficará diferido. Cabe-lhes concorrer à divisão periódica dos lucros, até que se verifique a liquidação da sociedade (art. 1.027). A referência à figura do “cônjuge” do sócio também deve ser estendida à figura do “companheiro” do sócio. Por outro lado, a expressão legal “que se separou judicialmente” não deve ser entendida em seu sentido literal, mas sim no de traduzir o término da sociedade conjugal, o que acontece também na hipótese de divórcio (Código Civil, art. 1.571, incisos III e IV), bem como se espraiar para a situação de dissolução de união estável.
Visou, com isso, manter incólume o patrimônio da sociedade, evitando que as citadas pessoas pudessem pretender a liquidação da quota do sócio, tendo a sociedade que indenizá-los nos haveres correspondentes.
Por outro lado, barrando o ingresso de estranhos, evita o abalo da affectio societatis.
Entretanto, o Código de Processo Civil de 2015, no parágrafo único do art. 600, altera drasticamente o curso adotado pelo Código Civil, ao estatuir que “o cônjuge ou companheiro do sócio cujo casamento, união estável ou convivência terminou poderá requerer a apuração de seus haveres na sociedade, que serão pagos à conta da quota social titulada por este sócio”.
Apesar da impropriedade de uma lei de processo revogar uma regra de direito material, o fato é que passou o direito positivo a albergar a possibilidade da dissolução parcial da sociedade para que se proceda à apuração de haveres naquelas hipóteses.
Aflora do confronto dos preceitos normativos a seguinte indagação: esse direito de requerer a apuração de haveres também se estende aos herdeiros ou sucessores do cônjuge ou do companheiro?
Poder-se-ia concluir que sim, sob o argumento de que o Código de Processo Civil, no dispositivo em referência, disse menos do que desejou. É plausível tal entendimento.
Contudo, preferimos a interpretação restritiva desse preceito processual inovador do direito material posto no Código Civil. Nos termos do § 1o do art. 2o da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, a lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.
Parece, claramente, que a hipótese consiste na revogação por incompatibilidade. Mas revogação parcial ou derrogação. Isto é, a incompatibilidade apenas se verifica em relação às figuras do cônjuge ou companheiro, e não de seus herdeiros e sucessores. Essa antinomia se verifica apenas em relação a cônjuges e companheiros.
A exegese restritiva proposta favorece a sociedade, impedindo que tenha que proceder à apuração e ao pagamento dos haveres do sócio em favor de herdeiros ou sucessores do cônjuge ou companheiro, preservando o seu patrimônio e, com isso, a própria empresa desenvolvida pela sociedade. Dessa feita, para essas pessoas, permanece a relação jurídica regida pelo art. 1.027 do Código Civil, que apenas foi parcialmente revogado pela lei processual civil."
Aproveitando o ensejo, confira-se o seguinte excerto extraído da Ementa do Acórdão lavrado pela Vigésima Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro em 11 de abril de 2023, quando do julgamento dos Recursos de Apelação Cível interpostos nos Autos Processuais no. 0037943-24.2015.8.19.0001, no qual consignou-se a aplicação do Parágrafo único do Artigo 600 do CPC/2015 em favor de companheiro de sócio em caso de dissolução da união estável:
"No que respeita às quotas sociais da nova sociedade empresária limitada, tituladas pelo réu, ENTK PARTICIPAÇÕES LTDA, a ex-companheira, não sócia, tem direito ao numerário correspondente à meação do valor das referidas cotas do sócio. Portanto, deve ser determinada a apuração de haveres, em sede de liquidação de sentença, a fim de se obter o valor das cotas sociais pertencentes ao ex-companheiro no quadro societário, a fim de ser pago à autora a parte relativa à meação desta no respectivo montante. Incidência do Parágrafo único, do art. 600 do Código de Processo Civil, segundo o qual, "o cônjuge ou companheiro do sócio cujo casamento, união estável ou convivência terminou poderá requerer a apuração de seus haveres na sociedade, que serão pagos à conta da quota social titulada por este sócio"."
Aliás, como lembra Humberto Dalla Bernardina de Pinho (Manual de direito processual civil contemporâneo, 2a. edição - São Paulo: Editora Saraiva Educação, 2020), "a lei não expressa, mas é claro que, para tanto, é preciso que o regime de bens outorgue tal direito ao requerente", ou seja, o cônjuge ou companheiro do sócio ou os herdeiros daquele só terão algum direito em relação às quotas de titularidade do sócio (ainda vivo) se tais quotas tiverem se comunicado com o cônjuge (ou companheiro) por força do regime de bens do casamento ou união estável.
Adicionalmente, saliente-se a concordância de Daniel Amorim Assumpção Neves (Manual de direito processual civil - Volume único, 8a. edição – Salvador: Editora JusPodivm, 2016), "com a corrente doutrinária que entende ser necessário o reconhecimento prévio da união estável" para que o Parágrafo único do Artigo 600 do CPC/2015 seja aplicável, não sendo a Ação de Dissolução Parcial de Sociedade adequada "para uma discussão, ainda que incidental, da existência de união estável do sócio retirado da sociedade".
No mesmo sentido, assim se manifestam Flávio Luiz Yarshell e Felipe do Amaral Matos (O procedimento especial de dissolução (parcial) de sociedade no Projeto de CPC em Processo Societário - São Paulo: Editora Quartier Latin, 2012, coordenado por Flávio Luiz Yarshell e Guilherme Setoguti J. Pereira):
"No processo de dissolução não há, a nosso ver, espaço para cognição acerca da relação de união ou de convivência, suposto seja ela controvertida. A cumulação é inviável pela diversidade de competência pelo critério da matéria…a gerar incompetência absoluta. Ademais...a diversidade do objeto da cognição tornaria a cumulação irracional e, ao invés de favorecer a economia e a celeridade, acabaria conspirando contra ela.
Portanto, é preciso que, por vias próprias, seja pleiteado o reconhecimento da união ou da convivência."
Dos critérios para a liquidação das quotas e a apuração dos haveres.
A liquidação das quotas que eram de titularidade do sócio falecido e a consequente apuração dos haveres devidos ao espólio são atualmente regidas pelos seguintes dispositivos legais:
CC/2002:
"Art. 1.031. Nos casos em que a sociedade se resolver em relação a um sócio, o valor da sua quota, considerada pelo montante efetivamente realizado, liquidar-se-á, salvo disposição contratual em contrário, com base na situação patrimonial da sociedade, à data da resolução, verificada em balanço especialmente levantado.
§ 1 o O capital social sofrerá a correspondente redução, salvo se os demais sócios suprirem o valor da quota.
§ 2 o A quota liquidada será paga em dinheiro, no prazo de noventa dias, a partir da liquidação, salvo acordo, ou estipulação contratual em contrário."
CPC/2015:
"Art. 604. Para apuração dos haveres, o juiz:
I - fixará a data da resolução da sociedade;
II - definirá o critério de apuração dos haveres à vista do disposto no contrato social; e
III - nomeará o perito.
§ 1º O juiz determinará à sociedade ou aos sócios que nela permanecerem que depositem em juízo a parte incontroversa dos haveres devidos.
§ 2º O depósito poderá ser, desde logo, levantando pelo ex-sócio, pelo espólio ou pelos sucessores.
§ 3º Se o contrato social estabelecer o pagamento dos haveres, será observado o que nele se dispôs no depósito judicial da parte incontroversa."
"Art. 605. A data da resolução da sociedade será:
I - no caso de falecimento do sócio, a do óbito;"
"Art. 606. Em caso de omissão do contrato social, o juiz definirá, como critério de apuração de haveres, o valor patrimonial apurado em balanço de determinação, tomando-se por referência a data da resolução e avaliando-se bens e direitos do ativo, tangíveis e intangíveis, a preço de saída, além do passivo também a ser apurado de igual forma.
Parágrafo único. Em todos os casos em que seja necessária a realização de perícia, a nomeação do perito recairá preferencialmente sobre especialista em avaliação de sociedades."
"Art. 607. A data da resolução e o critério de apuração de haveres podem ser revistos pelo juiz, a pedido da parte, a qualquer tempo antes do início da perícia."
"Art. 608. Até a data da resolução, integram o valor devido ao ex-sócio, ao espólio ou aos sucessores a participação nos lucros ou os juros sobre o capital próprio declarados pela sociedade e, se for o caso, a remuneração como administrador.
Parágrafo único. Após a data da resolução, o ex-sócio, o espólio ou os sucessores terão direito apenas à correção monetária dos valores apurados e aos juros contratuais ou legais."
"Art. 609. Uma vez apurados, os haveres do sócio retirante serão pagos conforme disciplinar o contrato social e, no silêncio deste, nos termos do § 2º do art. 1.031 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil)."
Quanto a tais dispositivos legais, fazemos os seguintes comentários:
(i) em que pese tais dispositivos estabeleçam a aplicação de eventual cláusula do Contrato Social sobre o tema:
(a) o Superior Tribunal de Justiça tem orientação reiterada no sentido de que, a princípio, tal aplicação tem realmente prevalência, "desde que observados os limites legais e os princípios gerais do direito", como decidido, por exemplo, quando do julgamento do Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial no. 1.534.975/SP, sendo que, ao julgar o Recurso Especial no. 1.444.790/SP, o Superior Tribunal de Justiça consignou que "o direito civil não tolera o abuso do direito em dispositivo do contrato social - cláusula leonina - que venha a gerar o enriquecimento sem causa em detrimento de um dos sócios, seja por depor contra o preceito ideológico do justo equilíbrio, seja por refletir situação demasiadamente distante da apuração real dos bens da sociedade";
(b) o Superior Tribunal de Justiça entende que "a apuração de haveres deve observar, o quanto possível, o patrimônio societário como um todo e não apenas sua dimensão contábil ou fiscal", ou seja, deve ser realizada "com a maior amplitude possível, com a exata verificação, física e contábil, dos valores do ativo", "como se de dissolução total se tratasse, incluindo-se no cálculo o valor do fundo de comércio", a fim de assegurar ao sócio retirante situação de igualdade em relação aos demais sócios e evitar, por consequência, o locupletamento indevido da sociedade ou dos sócios remanescentes, conforme decidido quando do julgamento dos Recurso Especiais no. 1.499.772/DF, 1.537.922/DF e 1.335.619/SP, entre outros, em consonância com o decidido pelo Supremo Tribunal Federal quando do julgamento do Recurso Extraordinário no. 89.464/SP;
(c) e embora Fábio Ulhoa Coelho (Apuração de Haveres na Sociedade Limitada em Processo Societário - São Paulo: Editora Quartier Latin, 2012, coordenado por Flávio Luiz Yarshell e Guilherme Setoguti J. Pereira) entenda que "nenhum critério escolhido pelos sócios no contrato social pode ser afastado pelo juiz, somente porque sub-avalia ou sobre-avalia as quotas, desde que seja um critério razoável, isto é, vinculado à condição patrimonial ou econômica da sociedade", tendo em vista que "a sub-avaliação ou sobre-avaliação pode ter sido exatamente o efeito pretendido por el(e)s, quando assinaram o contrato social", o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Recurso Especial no. 1.335.619/SP, entre outros, decidiu que, mesmo que o Contrato Social eleja critério para a apuração de haveres, este somente prevalecerá caso haja a concordância das partes com o resultado alcançado, sendo que, havendo dissenso, faculta-se a adoção da via judicial, a fim de que seja determinada a melhor metodologia de liquidação, hipótese em que a cláusula contratual somente será aplicada em relação ao modo de pagamento;
(d) em caso de dissenso, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça está consolidada no sentido de que o Balanço de Determinação é o critério que melhor reflete o valor patrimonial da empresa e não se confunde com os Balanços contábeis ordinários e especial; e
(e) segundo o antigo Enunciado no. 265 da Súmula da Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, editado muito antes da entrada em vigor do CC/2002, "na apuração de haveres não prevalece o balanço não aprovado pelo sócio falecido, excluído ou que se retirou", Enunciado esse que, no cenário normativo e jurisprudencial atual, só terá relevância se o critério de apuração de haveres adotado for o valor patrimonial contábil conforme o último Balanço Patrimonial aprovado pelos sócios, critério este que tem sido reiteradamente afastado pelo Superior Tribunal de Justiça, tendo em vista a preferência jurisprudencial pelo Balanço de Determinação, como mencionado acima;
(ii) ao julgar o Recurso Especial no. 1.335.619/SP, o Superior Tribunal de Justiça decidiu ainda que "o fluxo de caixa descontado, por representar a metodologia que melhor revela a situação econômica e a capacidade de geração de riqueza de uma empresa, pode ser aplicado juntamente com o balanço de determinação na apuração de haveres do sócio dissidente", contudo, ao julgar o Recurso Especial no. 1.877.331/SP, já após o advento do CPC/2015, o Superior Tribunal de Justiça reviu o seu entendimento, consignando que "o legislador, ao eleger o balanço de determinação como forma adequada para a apuração de haveres, excluiu a possibilidade de aplicação conjunta da metodologia do fluxo de caixa descontado", bem como que "a metodologia do fluxo de caixa descontado, associada à aferição do valor econômico da sociedade, utilizada comumente como ferramenta de gestão para a tomada de decisões acerca de novos investimentos e negociações, por comportar relevante grau de incerteza e prognose, sem total fidelidade aos valores reais dos ativos, não é aconselhável na apuração de haveres do sócio dissidente";
(iii) segundo o Enunciado no. 482 das Jornadas de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal, "na apuração de haveres de sócio retirante de sociedade holding ou controladora, deve ser apurado o valor global do patrimônio, salvo previsão contratual diversa", sendo que, "para tanto, deve-se considerar o valor real da participação da holding ou controladora nas sociedades que o referido sócio integra";
(iv) segundo o Enunciado no. 487 das Jornadas de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal, "na apuração de haveres de sócio retirante (art. 1.031 do CC), devem ser afastados os efeitos da diluição injustificada e ilícita da participação deste na sociedade";
(v) o Enunciado no. 13 das Jornadas de Direito Comercial do Conselho da Justiça Federal, segundo o qual, "a decisão que decretar a dissolução parcial da sociedade deverá indicar a data de desligamento do sócio e o critério de apuração de haveres", já foi incorporado no Artigo 604 do CPC/2015, que lhe sobreveio; e
(vi) o Superior Tribunal de Justiça tem jurisprudência consolidada no sentido de que os juros de mora são devidos após o transcurso do prazo nonagesimal contado desde a liquidação da quota devida (ou seja, desde a sentença de liquidação de haveres, caso feita pela via judicial), salvo a existência de cláusula contratual específica, nos termos do Artigo 1.031, § 2o., do CC/2002, contudo, ao julgar o Recurso Especial no. 1.372.139/SP, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que os juros legais são devidos a partir da citação, quando foi constituída em mora a sociedade e os demais sócios, sendo que o período legal de tolerância estabelecido no referido dispositivo legal tem por escopo conferir tempo à sociedade para levantar os recursos necessários ao pagamento da quota do retirante, somente devendo prevalecer caso a apuração e o pagamento dos haveres siga seu curso normal, sem necessidade de litígio judicial.
Adicionalmente, é interessante verificar os seguintes comentários de Flávio Luiz Yarshell e Felipe do Amaral Matos (O procedimento especial de dissolução (parcial) de sociedade no Projeto de CPC em Processo Societário - São Paulo: Editora Quartier Latin, 2012, coordenado por Flávio Luiz Yarshell e Guilherme Setoguti J. Pereira) acerca do Artigo 593 do Projeto de Lei que resultou no CPC/2015 e que tem o mesmo teor do Artigo 607 do CPC/2015:
"Dela, salvo melhor juízo, não se pode extrair que o juiz poderia, até o momento referido, alterar o critério estabelecido pelo art. 591. Isso criaria um conflito entre os dois dispositivos legais mencionados. Portanto, até o início da perícia, antes ou depois disso, a data da resolução é aquela apontada pela lei, de forma cogente.
O que se extrai do dispositivo é que não se poderia falar em preclusão, dada a possibilidade aberta pelo Projeto. Mas, mesmo nessa ótica limitada, o critério adotado pelo Projeto não parece ser o mais acertado: se a data da resolução fixada pelo juiz estava errada (porque em conflito com a regra do art. 591), é de se esperar que o erro possa ser corrigido enquanto não houver decisão acerca do montante dos haveres. (...) As conclusões do experto não vinculam o juiz e, portanto, tomar o início da prova como critério para a preclusão não é, preservada convicção em contrário, a opção mais feliz.
De outra parte, diante do caráter peremptório do caput do art. 591 ("A data da resolução será…"), não faz sentido - ao menos no tocante à data da resolução - que a alteração do que foi decidido fique sujeit(a) ao "pedido da parte"; expressão que sugere a exclusão da possibilidade de que o juiz corrija o erro de ofício. O mesmo, em boa medida, vale para a adoção do critério de apuração de haveres, pelo que se extrai da regra do art. 592 do Projeto."
Da competência e das vias alternativas para a apuração dos haveres do sócio falecido.
O Artigo 599 do CPC 2015 dispõe que a Ação de Dissolução Parcial de Sociedade pode ter por objeto", para o que interessa a este trabalho, "a resolução da sociedade empresária contratual ou simples em relação ao sócio falecido" e "a apuração dos haveres do sócio falecido" ou "somente a resolução ou a apuração de haveres", ao passo que o Artigo 600 do CPC/2015 dispõe que a referida Ação pode ser proposta, para o que interessa a este trabalho, "pelo espólio do sócio falecido, quando a totalidade dos sucessores não ingressar na sociedade", "pelos sucessores, após concluída a partilha do sócio falecido", ou "pela sociedade, se os sócios sobreviventes não admitirem o ingresso do espólio ou dos sucessores do falecido na sociedade, quando esse direito decorrer do contrato social".
Por sua vez, dispõe o Artigo 620, §1o., inciso II, do CPC/2015, que o Juiz (do Inventário) determinará que se proceda "à apuração de haveres, se o autor da herança era sócio de sociedade que não anônima". ao passo que o Parágrafo único do Artigo 630 do CPC/2015 dispõe que, naquela hipótese, o Juiz (do Inventário) "nomeará perito para avaliação das quotas sociais ou apuração dos haveres". Por outro lado, dispõe o Artigo 612 do CPC/2015 que o Juiz (do Inventário) "decidirá todas as questões de direito desde que os fatos relevantes estejam provados por documento, só remetendo para as vias ordinárias as questões que dependerem de outras provas".
A convivência destes dispositivos no CPC/2015 pode gerar dúvidas no intérprete acerca de qual seria o Juízo competente para a apuração dos haveres do sócio falecido, ou seja, se seria o Juízo com competência cível/empresarial ou o Juízo do Inventário, bem como se seria obrigatória a propositura de Ação autônoma ou se seria admitida a apuração dos haveres nos Autos do próprio Inventário.
Ao enfrentar tais questões, o Superior Tribunal de Justiça consignou:
(i) quando do julgamento do Recurso Especial no. 1.698.780/RJ, sintetizando a jurisprudência sobre o tema, que:
(a) conquanto a sua jurisprudência tenha se consolidado "no sentido de que, em regra, a apuração de haveres deverá ser objeto de ação autônoma, sobretudo diante da necessidade de se respeitar o contraditório em relação aos sócios remanescentes que poderão não ser legitimados a figurar no polo da ação de inventário e que eventualmente poderão ser atingidos pelas decisões judiciais nela proferidas, é certo que esse entendimento tem sido flexibilizado, seja para preservar os atos processuais que foram praticados sem a observância dessa regra se não houve prejuízo às partes e a terceiros, seja nas hipóteses em que a apuração de haveres não envolve controvérsia entre meeiro, herdeiros e sócios remanescentes, nem tampouco a pretensão de apuração de haveres tenciona a dissolução parcial da sociedade", como, por exemplo, quando se tratar de "simples avaliação e precificação das quotas sociais que serão atribuídas a cada herdeiro"; e
(b) "em linhas gerais, os critérios para que não se admita a apuração de haveres no bojo da ação de inventário do falecido sócio titular das quotas serão os seguintes: (i) quando houver controvérsia entre meeiro, herdeiros e sócios remanescentes virtualmente atingidos pelas decisões judiciais proferidas no inventário; (ii) quando a pretensão de apuração de haveres tencionar a dissolução parcial da sociedade.";
(ii) quando do julgamento do Recurso Especial no. 5.780/SP, que, "fazendo-se a apuração de haveres nos próprios autos do inventário, sem a participação dos sócios remanescentes, apenas interessa a herdeiros e meeira", de modo que "terceiros não podem dela valer-se como se constituísse título líquido e certo";
(iii) quando do julgamento do Recurso Especial no. 1.438.576/SP, que:
(a) a distribuição da apuração de haveres ao Juízo pelo qual se processou o inventário não ofende nenhuma norma de direito federal;
(b) "o CPC determina que as questões decorrentes do inventário ou da partilha que demandarem "alta indagação" ou "dependerem de outras provas" sejam remetidas aos meios ordinários", portanto, "a "remessa aos meios ordinários" significa, essencialmente, que o juiz deve processar o incidente pelos meios ordinários, em apartado dos autos do inventário"; e
(c) "o fato de a lei prescrever que o juiz determine a apuração de haveres não exclui do herdeiro o seu direito subjetivo público de ação, a quem remanesce a faculdade de propô-la de forma autônoma", "ademais, a premissa maior a ser observada nos "meios ordinários" é a participação, mediante efetivos contraditório e ampla defesa, de todos os atores envolvidos na questão"; e
(iv) quando do julgamento do Recurso Especial no. 1.727.979/MG, é válida a cláusula compromissória (arbitral) inserta no Contrato Social no que tange ao processamento de Ação de Dissolução Parcial de Sociedade com apuração de haveres em virtude da morte de sócio e ausência de affectio societatis entre o sócio remanescentes e os sucessores da participação societária, mesmo não tendo estes sido admitidos como sócios da sociedade.
Aliás, como lembra Daniel Amorim Assumpção Neves (Manual de direito processual civil - Volume único, 8a. edição - Salvador: Editora JusPodivm, 2016), "tratando-se de direito patrimonial disponível, as partes podem celebrar convenção de arbitragem para que a lide na qual estão ou estarão envolvidas seja resolvida sem a intervenção jurisdicional".
Faz-se oportuno acrescentar aqui que, ausente cláusula compromissória ou convenção de arbitragem, a competência para o julgamento da Ação de Dissolução Parcial de Sociedade, segundo lição de Eduardo Arruda Alvim, Daniel Willian Granado e Eduardo Aranha Ferreira (Direito processual civil, 6a. edição - São Paulo: Editora Saraiva Educação, 2019), é do foro constante no Contrato Social, como autoriza o Artigo 63, §1o., do CPC/2015, e, na ausência de previsão contratual, do foro da sede da sociedade, conforme previsto no Artigo 53, inciso III, alínea "a", do CPC/2015, uma vez que um dos réus é pessoa jurídica, contudo, como se trata de competência territorial relativa, os réus, se discordarem da competência atribuída pelo autor, deverão alegá-la em sede de preliminar de Contestação, como prevê o Artigo 337, inciso II, do CPC/2015, sob pena de prorrogação da competência, como dispõe o Artigo 65 do CPC/2015.
Da Ação de Dissolução Parcial de Sociedade.
Introdução.
Como elucidam Eduardo Arruda Alvim, Daniel Willian Granado e Eduardo Aranha Ferreira (Direito processual civil, 6a. edição - São Paulo: Editora Saraiva Educação, 2019):
"A ação de dissolução parcial de sociedade recebe tratamento especial pelo Código de Processo Civil porque também existem peculiaridades do direito material que impõem um regramento específico para o procedimento, por exemplo, a necessidade de fixação de data para a resolução da sociedade e a definição de critério para a apuração de haveres.
Ao admitir a dissolução parcial da sociedade, o Código Civil consagra o princípio da preservação da empresa, uma vez que, tendo condições de manter-se ativa, a sociedade deve ser dissolvida com relação ao sócio retirante (nas hipóteses dos arts. 1.028 a 1.032 do CC/2002) com a necessária apuração de haveres, assegurando-se, dessa forma, a capacidade da sociedade de preservar e até mesmo gerar empregos, produzir renda e arrecadar tributos.
Em síntese, o procedimento estabelecido nos arts. 599 e seguintes do Código de Processo Civil de 2015 presta-se a regulamentar as situações em que ocorrerá a saída de um ou mais sócios, sem que isso resulte na dissolução total da sociedade."
Por sua vez, Daniel Amorim Assumpção Neves (Manual de direito processual civil - Volume único, 8a. edição - Salvador: Editora JusPodivm, 2016), ao comentar o Artigo 599 do CPC 2015, esclarece que:
"O dispositivo não trata da dissolução total de sociedade por duas razões. Primeiro, porque a necessidade de vontade unânime para a liquidação da sociedade torna a dissolução total um procedimento não contencioso cada vez mais frequente. Por outro lado, na rara ocorrência de causas externas para a liquidação, como perda de autorização para funcionamento ou impossibilidade de cumprimento do objeto social, o procedimento a ser seguido será o comum."
Objeto.
Como visto acima, o Artigo 599 do CPC 2015 dispõe que a Ação de Dissolução Parcial de Sociedade pode ter por objeto", para o que interessa a este trabalho, "a resolução da sociedade empresária contratual ou simples em relação ao sócio falecido" e "a apuração dos haveres do sócio falecido" ou "somente a resolução ou a apuração de haveres", ou seja, nas palavras de Humberto Dalla Bernardina de Pinho (Manual de direito processual civil contemporâneo, 2a. edição - São Paulo: Editora Saraiva Educação, 2020), "o processo poderá ter um objeto mais amplo ou mais delimitado, a depender da relação jurídica de direito material que se pretender dirimir judicialmente", uma vez que, na maioria das hipóteses, tanto a resolução da sociedade em relação ao sócio quanto à apuração dos haveres podem ser realizadas de forma extrajudicial.
Além disso, dispõe o Artigo 602 do CPC/2015 que "a sociedade poderá formular pedido de indenização compensável com o valor dos haveres a apurar."
Ao comentar os dispositivos mencionados acima, Renato Montans de Sá (Manual de direito processual civil, 5a. edição - São Paulo: Editora Saraiva Educação, 2020) consigna que:
(i) "o inciso III permite que o autor formule requerimento somente de resolução ou somente de apuração de haveres", e ,"nesse caso o nome tecnicamente não é ação de dissolução parcial, mas apenas apuração de haveres";
(ii) somente haverá interesse de agir apenas na apuração de haveres se a resolução da sociedade se deu extrajudicialmente (seja nos termos do art. 1.085 do CPC, seja consensualmente resolvendo a questão diretamente na Junta Comercial)"; e
(iii) "é possível ainda outras hipóteses de cumulação", "como a responsabilização do sócio ou invalidação de alguma deliberação realizada", sendo que "a cumulação deve observar as regras do art. 327 do CPC e todas elas devem seguir o procedimento comum, mantendo-se a estrutura do rito especial que não for incompatível, conforme o § 2o do mesmo artigo".
No mesmo sentido, Daniel Amorim Assumpção Neves (Manual de direito processual civil - Volume único, 8a. edição - Salvador: Editora JusPodivm, 2016) consigna que, "ainda que não haja previsão expressa nesse sentido, no Novo Código de Processo Civil passa a ser admitido também o pedido indenizatório formulado pelo sócio retirante da sociedade na ação de dissolução parcial de sociedade".
Flávio Luiz Yarshell e Felipe do Amaral Matos (O procedimento especial de dissolução (parcial) de sociedade no Projeto de CPC em Processo Societário - São Paulo: Editora Quartier Latin, 2012, coordenado por Flávio Luiz Yarshell e Guilherme Setoguti J. Pereira), por sua vez, entendem que o CPC/2015 abre a possibilidade de cumulação de pedido indenizatório ou de outros pedidos "apenas para as hipóteses em que haja a primeira fase da dissolução", pois tal cumulação só "se justifica quando for racional e, portanto, puder satisfatoriamente cumprir" as finalidades de eliminação ampla da controvérsia e prestígio à economia processual e à preservação da harmonia das decisões, o que não ocorreria "se fatos e fundamentos relativos aos pedidos cumulados forem substancialmente diversos".
A propósito, ao abordarem o o Artigo 602 do CPC/2015, Eduardo Arruda Alvim, Daniel Willian Granado e Eduardo Aranha Ferreira (Direito processual civil, 6a. edição - São Paulo: Editora Saraiva Educação, 2019) opinam que "a responsabilidade por perdas e danos que pode culminar no pedido contraposto da sociedade, na forma do art. 602 do CPC/2015, deve decorrer de prejuízos causados pelo sócio à sociedade, nas hipóteses dos arts. 1.010, § 3o, e 1.013, § 2o, do CC/2002".
Legitimidade Ativa.
Como também visto acima, o Artigo 600 do CPC/2015 dispõe que a referida Ação pode ser proposta, para o que interessa a este trabalho, "pelo espólio do sócio falecido, quando a totalidade dos sucessores não ingressar na sociedade", "pelos sucessores, após concluída a partilha do sócio falecido", ou "pela sociedade, se os sócios sobreviventes não admitirem o ingresso do espólio ou dos sucessores do falecido na sociedade, quando esse direito decorrer do contrato social".
Quanto ao tema, é importante frisar que, anteriormente à entrada em vigor do CPC/2015, o Superior Tribunal de Justiça admitia a legitimidade ativa de (ainda que apenas um) herdeiro, antes mesmo da partilha, para a propositura da Ação de Dissolução Parcial de Sociedade, desde que no interesse do espólio, sendo que a eficácia da decisão proferida em tal Ação alcançaria os demais herdeiros, conforme decidido, por exemplo, quando do julgamento do Recurso Especial no. 327.407/RJ.
Contudo, quando do julgamento do Recurso Especial no. 1.645.672/SP, já após a entrada em vigor do CPC/2015, o Superior Tribunal de Justiça fez as seguintes ponderações, as quais nos dão a entender que, no sistema atual, o mesmo só admite a legitimidade ativa dos sucessores (em sentido amplo) para a propositura da Ação de Dissolução Parcial de Sociedade antes da partilha se estes agirem em conjunto (hipótese que só se cogita se o inventariante não for também um sucessor):
"Outrossim, deve-se ainda ter em consideração que a liquidação da quota social, em virtude da decisão dos herdeiros de não prosseguir o exercício empresarial, depende de uma manifestação do espólio, ou seja, do conjunto de herdeiros, e não de um único herdeiro. Nesse contexto, compreende-se o alerta da doutrina que já indicava que "[...] ainda que o contrato social não vede aos herdeiros o direito de ingresso na sociedade e, até ao contrário, permita-o expressamente, a substituição do sócio falecido, por estes, não se dá iure haereditatis, mas em razão da posterior adesão ao contrato social. Essa manifestação, por seu turno, só se pode verificar após a partilha" (FONSECA, Priscila M. P. Corrêa da. Dissolução parcial, retirada e exclusão de sócio. 5a ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 52).
Entendimento semelhante, embora mais flexível, foi adotado expressamente pelo legislador nacional, ao disciplinar pela primeira vez o rito da ação de dissolução parcial de empresa no atual CPC. Ainda que não se aplique ao caso dos autos o novel Código, é relevante reconhecer que nele se estabeleceu expressamente que o espólio é parte legítima para iniciar a referida ação, se "a totalidade dos sucessores não ingressar na sociedade" (art. 600, I, do CPC/2015, destacado), restando aos sucessores a legitimidade apenas após a conclusão da partilha da participação do sócio falecido (art. 600, II, do CPC/2015), quando passam a defender direito próprio já devidamente individualizado. Noutros termos, embora se tenha dispensado a efetivação de partilha, deixou-se clara a intenção de proporcionar a todos os sucessores a possibilidade de continuidade da empresa, restando a apuração de haveres antecipada à partilha apenas quando houver consenso quanto (à) inexistência de interesse na sucessão do status socii.
Isso porque não se pode perder de vista o intuito precípuo de preservação da entidade empresária, que poderá ser inviabilizada ou, ao menos, dificultada, pela liquidação integral da quota social. Daí a prevalência da continuidade e sucessão do status societário se houver interesse de algum dos herdeiros e anuência dos sócios restantes…"
A propósito, note-se que, ao menos no julgado acima, o Superior Tribunal de Justiça não adotou o entendimento de Igor Bimkowski Rossoni (O procedimento de dissolução parcial de sociedade no PL 166/2010 (Novo Código de Processo Civil) em Processo Societário - São Paulo: Editora Quartier Latin, 2012, coordenado por Flávio Luiz Yarshell e Guilherme Setoguti J. Pereira), do qual também discordamos, para quem "condicionar a legitimidade do espólio a que a totalidade dos sucessores não tenha ingressado na sociedade é um total contrassenso" e tornaria impossível a legitimidade do espólio para a propositura de Ação de Dissolução Parcial de Sociedade.
Adicionalmente, consignamos aqui a nossa discordância quanto ao seguinte comentário de Igor Bimkowski Rossoni (O procedimento de dissolução parcial de sociedade no PL 166/2010 (Novo Código de Processo Civil) em Processo Societário - São Paulo: Editora Quartier Latin, 2012, coordenado por Flávio Luiz Yarshell e Guilherme Setoguti J. Pereira):
"Também é assegurada a legitimidade ativa para a propositura da demanda de dissolução parcial ao(s) sucessor(es) que tenha(m) herdado as quotas sociais (art. 586, II). Ao que tudo indica, neste caso, uma vez ingressando na sociedade, para sua retirada, o sócio teria de invocar o art. 1.029 do CC, hipótese de retirada comum a todos os sócios, e não só ao herdeiro do "de cujos"."
O motivo de nossa discordância quanto a tal comentário reside no fato de que os sucessores podem pedir a dissolução parcial da sociedade para liquidação das quotas do sócio falecido sem jamais terem aderido ao Contrato Social da sociedade, ou seja, sem jamais terem figurado como sócios da sociedade.
Legitimidade Passiva.
No que tange à legitimidade passiva para a Ação de Dissolução Parcial de Sociedade, Eduardo Arruda Alvim, Daniel Willian Granado e Eduardo Aranha Ferreira (Direito processual civil, 6a. edição - São Paulo: Editora Saraiva Educação, 2019) consignam que:
(i) o Artigo 601 do CPC/2015 "prevê o litisconsórcio passivo necessário, por esse motivo, quando a sociedade não for a autora, ela deve necessariamente figurar no polo passivo juntamente com os sócios que continuarão na sociedade, para que apresentem contestação ou concordância com o pedido de dissolução, no prazo de quinze dias";
(ii) o Parágrafo único do Artigo 601 do CPC/2015 "traz interessante disposição ao afirmar que “a sociedade não será citada se todos os seus sócios o forem, mas ficará sujeita aos efeitos da decisão e à coisa julgada”; e
(iii) "apesar de eventuais discussões que podem ser levantadas acerca da legalidade" do Parágrafo único do Artigo 601 do CPC/2015, "não se pode considerar que a sociedade não deve ser citada", mas sim que, "na hipótese de sua citação não ser aperfeiçoada, não há nulidade em eventual decisão que vier a ser proferida, uma vez que todos os sócios foram citados e subentende-se que os interesses da sociedade estavam amplamente defendidos".
Por sua vez, Daniel Amorim Assumpção Neves (Manual de direito processual civil - Volume único, 8a. edição - Salvador: Editora JusPodivm, 2016), ao comentar o Artigo 601 do CPC/2015, esclarece que:
"Pela leitura do caput do dispositivo ora analisado pode-se concluir que há um litisconsórcio necessário a ser formado no polo passivo entre todos os sócios e a sociedade, excluído, naturalmente, o sujeito que estiver no polo ativo da demanda.
O parágrafo único, apesar de ter boa intenção e encontrar amparo em jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, foi formulado de forma sofrível e apta a suscitar dúvidas na academia e na praxe forense. Aparentemente, o objetivo do legislador era dispensar a presença da sociedade no polo passivo na hipótese de todos os sócios participarem da demanda, o que não tornaria o litisconsórcio necessário, ao menos quanto à sociedade. A sua inclusão, portanto, seria facultativa.
A literalidade da norma, entretanto, não permite tal conclusão, porque não dispensa a presença da sociedade no polo passivo, mas apenas sua citação. E, para que seja dispensada sua citação, é natural que a sociedade já esteja no polo passivo, afinal, não há que se falar em citação de quem não é réu no processo."
Por oportuno, consignamos a nossa discordância quanto à opinião de Flávio Luiz Yarshell e Felipe do Amaral Matos (O procedimento especial de dissolução (parcial) de sociedade no Projeto de CPC em Processo Societário - São Paulo: Editora Quartier Latin, 2012, coordenado por Flávio Luiz Yarshell e Guilherme Setoguti J. Pereira), para quem, o Parágrafo único do Artigo 601 do CPC/2015 dispensaria a sociedade "de integrar o polo passivo da demanda, caso todos os sócios já o integrem".
Procedimento.
O CPC/2015 regula o procedimento da Ação de Dissolução Parcial de Sociedade nos seguintes dispositivos, além daqueles que já foram comentados nos Tópicos ou Capítulos acima:
"Art. 599.
(...)
§ 1º A petição inicial será necessariamente instruída com o contrato social consolidado."
"Art. 603. Havendo manifestação expressa e unânime pela concordância da dissolução, o juiz a decretará, passando-se imediatamente à fase de liquidação.
§ 1º Na hipótese prevista no caput , não haverá condenação em honorários advocatícios de nenhuma das partes, e as custas serão rateadas segundo a participação das partes no capital social.
§ 2º Havendo contestação, observar-se-á o procedimento comum, mas a liquidação da sentença seguirá o disposto neste Capítulo."
"Art. 604. Para apuração dos haveres, o juiz:
I - fixará a data da resolução da sociedade;
II - definirá o critério de apuração dos haveres à vista do disposto no contrato social; e
III - nomeará o perito.
§ 1º O juiz determinará à sociedade ou aos sócios que nela permanecerem que depositem em juízo a parte incontroversa dos haveres devidos.
§ 2º O depósito poderá ser, desde logo, levantando pelo ex-sócio, pelo espólio ou pelos sucessores.
§ 3º Se o contrato social estabelecer o pagamento dos haveres, será observado o que nele se dispôs no depósito judicial da parte incontroversa."
"Art. 609. Uma vez apurados, os haveres do sócio retirante serão pagos conforme disciplinar o contrato social e, no silêncio deste, nos termos do § 2º do art. 1.031 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil)."
Ao comentarem tais dispositivos, Eduardo Arruda Alvim, Daniel Willian Granado e Eduardo Aranha Ferreira (Direito processual civil, 6a. edição - São Paulo: Editora Saraiva Educação, 2019) consignam que:
(i) "a petição inicial deverá seguir os requisitos do art. 319 do CPC/2015, estando devidamente instruída com cópia do contrato social consolidado (art. 599, § 1o, do CPC/2015)", sendo que, uma vez que se trata de documento necessário (art. 320 do CPC/2015)", "diante da ausência do documento o juízo poderá indeferir a inicial, caso o autor não a apresente no prazo de quinze dias (art. 321 do CPC/2015)";
(ii) "é necessário que o contrato social retrate a situação da sociedade no momento da propositura da ação, ou seja, deve constar o documento de constituição consolidado com as alterações posteriores";
(iii) "deve ser atribuído à causa o valor equivalente à quota correspondente à participação do sócio que pretende se retirar ou foi excluído da sociedade";
(iv) "na contestação, os réus podem alegar toda matéria de defesa, inclusive a tocante às preliminares de mérito (art. 327 do CPC/2015), sendo "possível, ainda, que os réus apresentem manifestação de concordância com a dissolução (art. 603 do CPC/2015), ou a sociedade forme pedido contraposto (art. 602 do CPC/2015)";
(v) "a inércia dos réus implicará a revelia, com a presunção de veracidade de todas as alegações de fato formuladas pelo autor (art. 344 do CPC/2015), destacando-se o livre convencimento do juiz, que poderá determinar a instrução do processo e julgar a demanda improcedente diante das provas dos autos";
(vi) "é possível, ainda, outra hipótese na qual, ao invés de contestar a ação proposta por um dos sócios, os sócios remanescentes, em vez de manifestar concordância com a dissolução parcial, apresentem pedido reconvencional para que a sociedade seja integralmente dissolvida";
(vii) "se todos os sócios remanescentes apresentarem concordância com o pedido de dissolução parcial de sociedade, o juiz deverá decretar a dissolução, iniciando-se a liquidação da sociedade", sendo que, "diante da ausência de qualquer resistência dos réus, deixará de condenar qualquer das partes ao pagamento de honorários advocatícios, devendo as custas processuais ser rateadas, segundo a participação das partes no capital social", contudo, no "caso em que houver concordância da maior parte dos sócios remanescentes, mas a resistência de algum", deve ser condenado o réu perdedor ao pagamento de honorários sucumbenciais e custas, tendo em vista que ele dificultou o processo, além disso, é também possível a condenação nos ônus sucumbenciais em casos em que "há concordância na dissolução parcial da sociedade, mas as partes discordam com relação aos critérios para a apuração de haveres";
(viii) "o juiz poderá determinar o depósito judicial do valor incontroverso" para que sobre esse valor "deixem de incidir juros e correção monetária (art. 608, parágrafo único, do CPC/2015), por exemplo"; e
(ix) "o art. 609 do CPC/2015 determina que o pagamento dos haveres apurados deve ser realizado de acordo com o que prevê o contrato social e, na ausência de previsão, em noventa dias a partir da liquidação, na forma do art. 1.031, § 2o, do CC/2002", cabendo "a instauração do cumprimento de sentença, na forma do art. 523 e seguintes do CPC/2015, na hipótese de não pagamento voluntário".
Daniel Amorim Assumpção Neves (Manual de direito processual civil - Volume único, 8a. edição - Salvador: Editora JusPodivm, 2016) entende que, na realidade, o pleito indenizatório que a sociedade pode formular na Contestação tem natureza reconvencional, com o que concordamos, e não de pedido contraposto, como consignado no item "iv"acima. Confira-se:
"O valor apurado em favor do sócio que se busca excluir da sociedade poderá ser compensado com o valor de natureza indenizatória devido à sociedade. Nesses termos, prevê o art. 602 do Novo CPC que a sociedade poderá formular pedido de indenização compensável com o valor dos haveres a apurar. Como a sociedade tem legitimidade ativa e passiva na ação de procedimento especial ora analisada, o pedido de compensação pode ser elaborado tanto na petição inicial como na contestação, quando terá natureza reconvencional.
Não tenho dúvida de que, estando a sociedade no polo passivo da demanda, o pedido de compensação não é matéria exclusiva de defesa, daí por que não se deve admitir que seja feita como tal na contestação. A natureza reconvencional, nesse caso, é inegável, devendo, por essa razão, a sociedade deixar clara sua intenção de contra-ataque, ainda que no sistema do Novo Código de Processo Civil seja dispensada peça autônoma para a apresentação de reconvenção."
Adicionalmente, Daniel Amorim Assumpção Neves (Manual de direito processual civil - Volume único, 8a. edição - Salvador: Editora JusPodivm, 2016) consigna que:
(i) "o pedido de dissolução parcial de sociedade vem geralmente cumulado com pedido de apuração de haveres, de forma que o procedimento especial ora analisado terá duas fases procedimentais consecutivas: dissolução e apuração de haveres", sendo que "as especialidades procedimentais estão reservadas à segunda fase procedimental";
(ii) a decisão que decreta a dissolução da sociedade com base na manifestação expressa e unânime pela concordância da dissolução é uma "decisão interlocutória de mérito irrecorrível";
(iii) "ainda que rara, é possível que a ação de dissolução parcial de sociedade não tenha pedido de apuração de haveres, hipótese em que a decisão do juiz decretando a dissolução terá natureza de sentença de mérito, recorrível por apelação";
(iv) "como se pode notar da leitura do art. 603 do Novo CPC, não há previsão para a situação de revelia dos réus, não obstante, nesse caso, o juiz deverá aplicar por analogia o caput do art. 603 do Novo CPC e dissolver a sociedade por decisão interlocutória de mérito", uma vez que se trata de "direito material privado e disponível";
(v) "na segunda fase procedimental a apuração de haveres seguirá as regras do art. 604 do Novo CPC", cabendo ao juiz fixar a data da resolução da sociedade, estando nessa decisão vinculado ao estabelecido no art. 605 do Novo CPC"; e
(vi) "a decisão do juiz que dissolve parcialmente a sociedade tem natureza desconstitutiva, mas os efeitos excepcionalmente serão gerados ex tunc, por expressa previsão legal", uma vez que o Artigo 605 do CPC/2015 prevê a data da resolução da sociedade em cada hipótese.
Discordando do último item acima, Flávio Luiz Yarshell e Felipe do Amaral Matos (O procedimento especial de dissolução (parcial) de sociedade no Projeto de CPC em Processo Societário - São Paulo: Editora Quartier Latin, 2012, coordenado por Flávio Luiz Yarshell e Guilherme Setoguti J. Pereira), com os quais concordamos, no ponto, entendem, citando inclusive o Recurso Especial no. 108.933/SC, que "a dissolução da sociedade pode operar tanto ipso iure - hipótese em que se pleiteará em juízo (apenas se necessário) um provimento declaratório - quanto depender de sentença que a decrete - hipótese em que o provimento jurisdicional terá, inquestionavelmente, natureza constitutiva".
Adicionalmente, Flávio Luiz Yarshell e Felipe do Amaral Matos (O procedimento especial de dissolução (parcial) de sociedade no Projeto de CPC em Processo Societário - São Paulo: Editora Quartier Latin, 2012, coordenado por Flávio Luiz Yarshell e Guilherme Setoguti J. Pereira) entendem, a nosso ver com razão, que, apesar do §1o. do Artigo 604 do CPC/2015 estatuir que o juiz determinará à sociedade ou aos sócios que nela permanecerem que depositem em juízo a parte incontroversa dos haveres devidos, a princípio, "é do patrimônio da pessoa jurídica que deve resultar a satisfação do crédito do autor", salvo em situação excepcional, quando, em dado caso concreto, se puder imputar aos sócios remanescentes "a obrigação ou a responsabilidade patrimonial pessoal pela satisfação dos haveres".
Renato Montans de Sá (Manual de direito processual civil, 5a. edição - São Paulo: Editora Saraiva Educação, 2020), por sua vez, observa que "a lei não segue a regra da obrigatoriedade da audiência de conciliação e mediação (art. 334, CPC)", sendo que "essa constatação pode ser afirmada em duas oportunidades: no art. 601, que determina que os sócios e a sociedade serão citados para concordar ou contestar, e no art. 603, § 2o, em que a observância do procedimento comum de dá apenas após a apresentação da contestação."
Da exibição de documentos em casos de sucessão de sócios.
Segundo o §3o. do Artigo 473 do CPC/2015, "para o desempenho de sua função, o perito e os assistentes técnicos podem valer-se de todos os meios necessários, ouvindo testemunhas, obtendo informações, solicitando documentos que estejam em poder da parte, de terceiros ou em repartições públicas, bem como instruir o laudo com planilhas, mapas, plantas, desenhos, fotografias ou outros elementos necessários ao esclarecimento do objeto da perícia".
Contudo, é possível que os sócios remanescentes ou os administradores da sociedade ofereçam resistência à apresentação dos documentos solicitados pelo perito. Nestes casos, pode-se pleitear a exibição de documentos, com fulcro no Artigo 496 e seguintes do CPC/2015, seja de forma incidental ou autônoma, sendo esta última via exigida nos casos em que a sociedade não seja parte do Processo Judicial, como ocorre, por exemplo, em Inventários.
A propósito, saliente-se que, quando do julgamento do Recurso Especial no. 1.803.251/SC, o Superior Tribunal de Justiça decidiu pela possibilidade da propositura da Ação (probatória autônoma) de Exibição de Documentos, conforme Ementa transcrita abaixo:
"RECURSO ESPECIAL. AÇÃO AUTÔNOMA DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS PELO PROCEDIMENTO COMUM. POSSIBILIDADE. PRETENSÃO QUE SE EXAURE NA APRESENTAÇÃO DOS DOCUMENTOS APONTADOS. INTERESSE E ADEQUAÇÃO PROCESSUAIS. VERIFICAÇÃO. AÇÃO AUTÔNOMA DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS PELO PROCEDIMENTO COMUM E PRODUÇÃO DE PROVA ANTECIPADA. COEXISTÊNCIA. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. A controvérsia posta no presente recurso especial centra-se em saber se, a partir da vigência do Código de Processo Civil de 2015, é possível o ajuizamento de ação autônoma de exibição de documentos, sob o rito do procedimento comum (arts. 318 e seguintes), ou, como compreenderam as instâncias ordinárias, a referida ação deve se sujeitar, necessariamente, para efeito de adequação e interesse processual, ao disposto em relação ao "procedimento" da "produção antecipada de provas" (arts. 381 e seguintes). 2. A partir da vigência do Código de Processo Civil de 2015, que não reproduziu, em seu teor, o Livro III, afeto ao Processo Cautelar, então previsto no diploma processual de 1973, adveio intenso debate no âmbito acadêmico e doutrinário, seguido da prolação de decisões díspares nas instâncias ordinárias, quanto à subsistência da ação autônoma de exibição de documentos, de natureza satisfativa (e eventualmente preparatória), sobretudo diante dos novos institutos processuais que instrumentalizam o direito material à prova, entre eles, no que importa à discussão em análise, a "produção antecipada de provas" (arts. 381 e seguintes) e a "exibição incidental de documentos e coisa" (arts 496 e seguintes). 3. O Código de Processo Civil de 2015 buscou reproduzir, em seus termos, compreensão há muito difundida entre os processualistas de que a prova, na verdade, tem como destinatário imediato não apenas o juiz, mas também, diretamente, as partes envolvidas no litígio. Nesse contexto, reconhecida a existência de um direito material à prova, autônomo em si - que não se confunde com os fatos que ela se destina a demonstrar, tampouco com as consequências jurídicas daí advindas a subsidiar (ou não) outra pretensão -, a lei adjetiva civil estabelece instrumentos processuais para o seu exercício, o qual pode se dar incidentalmente, no bojo de um processo já instaurado entre as partes, ou por meio de uma ação autônoma (ação probatória lato sensu). 4. Para além das situações que revelem urgência e risco à prova, a pretensão posta na ação probatória autônoma pode, eventualmente, se exaurir na produção antecipada de determinada prova (meio de produção de prova) ou na apresentação/exibição de determinado documento ou coisa (meio de prova ou meio de obtenção de prova - caráter híbrido), a permitir que a parte demandante, diante da prova produzida ou do documento ou coisa apresentada, avalie sobre a existência de um direito passível de tutela e, segundo um juízo de conveniência, promova ou não a correlata ação. 4.1 Com vistas ao exercício do direito material à prova, consistente na produção antecipada de determinada prova, o Código de Processo Civil de 2015 estabeleceu a possibilidade de se promover ação probatória autônoma, com as finalidades devidamente especificadas no art. 381. 4.2 Revela-se possível, ainda, que o direito material à prova consista não propriamente na produção antecipada de provas, mas no direito de exigir, em razão de lei ou de contrato, a exibição de documento ou coisa - já existente/já produzida - que se encontre na posse de outrem. 4.2.1 Para essa situação, afigura-se absolutamente viável - e tecnicamente mais adequado - o manejo de ação probatória autônoma de exibição de documento ou coisa, que, na falta de regramento específico, há de observar o procedimento comum, nos termos do art. 318 do novo Código de Processo Civil, aplicando-se, no que couber, pela especificidade, o disposto nos arts. 396 e seguintes, que se reportam à exibição de documentos ou coisa incidentalmente. 4.2.2 Também aqui não se exige o requisito da urgência, tampouco o caráter preparatório a uma ação dita principal, possuindo caráter exclusivamente satisfativo, tal como a jurisprudência e a doutrina nacional há muito reconheciam na postulação de tal ação sob a égide do CPC/1973. A pretensão, como assinalado, exaure-se na apresentação do documento ou coisa, sem nenhuma vinculação, ao menos imediata, com um dito pedido principal, não havendo se falar, por isso, em presunção de veracidade na hipótese de não exibição, preservada, contudo, a possibilidade de adoção de medidas coercitivas pelo juiz. 5. Reconhece-se, assim, que a ação de exibição de documentos subjacente, promovida pelo rito comum, denota, por parte do demandante, a existência de interesse de agir, inclusive sob a vertente adequação e utilidade da via eleita. 6. Registre-se que o cabimento da ação de exibição de documentos não impede o ajuizamento de ação de produção de antecipação de provas. 7. Recurso especial provido." (Grifos nossos).
Adicionalmente, saliente-se que:
(i) nos termos do Artigo 1.020 do CC/2002, "os administradores são obrigados a prestar aos sócios contas justificadas de sua administração, e apresentar-lhes o inventário anualmente, bem como o balanço patrimonial e o de resultado econômico";
(ii) segundo o Artigo 1.021 do CC/2002, "salvo estipulação que determine época própria, o sócio pode, a qualquer tempo, examinar os livros e documentos, e o estado da caixa e da carteira da sociedade";
(iii) conforme previsto no Artigo 1.191 do CC/2002 e no Artigo 420 do CPC/2015, o Juiz pode ordenar a exibição integral dos livros empresariais e dos documentos do arquivo para resolver questões envolvendo "liquidação de sociedade", "sucessão por morte de sócio", "comunhão", entre outras hipóteses;
(iv) o dever de exibição de documentos por parte de terceiros (como é o caso das sociedades em relação aos Inventários), como uma expressão do dever de cooperação, é previsto nos Artigos 380, inciso II, e 401 a 404, os quais se pode combinar com os Artigos 77, inciso IV, e 378, todos do CPC/2015;
(v) segundo o Parágrafo único do Artigo 403 do CPC/2015, em caso de descumprimento da ordem de exibição dos documentos por parte do terceiro, pode o Juiz determinar a busca e apreensão dos documentos, requisitando, se necessário, força policial, sem prejuízo da responsabilidade do terceiro por crime de desobediência, pagamento de multa e outras medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar a efetivação da decisão, restando, portanto, superado o Enunciado no. 372 da Súmula da Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, conforme reconhece o Enunciado no. 54 do Fórum Permanente de Processualistas Civis (valendo lembrar ainda que o Artigo 380, Parágrafo único, do CPC/2015, também prevê a possibilidade de imposição de multa, outras medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias, para compelir o terceiro a proceder à exibição de documentos);
(vi) em caso de pedido incidental de exibição de documentos, a resistência ou recusa ilegítima da parte contrária é normalmente sancionada com a presunção de veracidade dos fatos que a parte requerente pretendia provar por meio dos documentos em questão, conforme previsto no Artigo 400 do CPC/2015;
(vii) quando se tratar de Ação (probatória autônoma) de Exibição de Documentos, não se aplica a presunção de veracidade mencionada no item "vi" acima, "preservada, contudo, a possibilidade de adoção de medidas coercitivas pelo Juiz", como decidiu o Superior Tribunal de Justiça quando do julgamento do Recurso Especial no. 1.803.251/SC, cuja Ementa foi transcrita acima (bem como a adoção das demais medidas mencionadas no item "v" acima);
(viii) segundo o Enunciado no. 389 da da Súmula da Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, apoiado no Artigo 100, §1o, da Lei no. 6.404/1976, "a comprovação do pagamento do custo do serviço referente ao fornecimento de certidão de assentamentos constantes dos livros da companhia é requisito de procedibilidade da ação de exibição de documentos ajuizada em face da sociedade anônima";
(ix) segundo a Tese Vinculante firmada no Tema Repetitivo no. 42 do Superior Tribunal de Justiça, "falta ao autor interesse de agir para a ação em que postula a obtenção de documentos com dados societários, se não logra demonstrar haver apresentado requerimento formal à ré nesse sentido"; e
(x) segundo o Artigo 1.194 do CC/2002, "o empresário e a sociedade empresária são obrigados a conservar em boa guarda toda a escrituração, correspondência e mais papéis concernentes à sua atividade, enquanto não ocorrer prescrição ou decadência no tocante aos atos neles consignados".
Da representação do espólio do sócio falecido em juízo ou perante a sociedade.
Quando da abertura da sucessão, a representação do espólio do sócio falecido em juízo ou perante a sociedade é inicialmente exercida pelo administrador provisório, conforme previsto no Artigo 1.797 do CC/2002 c/c os Artigos 613 e 614 do CPC/2015.
Após o compromisso do inventariante e até a homologação da partilha, tal representação cabe ao inventariante, conforme previsto nos Artigos 1.056, §1o., e 1.991, ambos do CC/2002 c/c os Artigos 75, inciso VII, e 618, inciso I, ambos do CPC/2015, observado que, "quando o inventariante for dativo, os sucessores do falecido serão intimados no processo no qual o espólio seja parte", como exige o §1o. do Artigo 75 do CPC/2015.
Por oportuno, saliente-se que o Manual de Registro de Sociedade Limitada aprovado pela Instrução Normativa no. 81/2020 do DREI, com a redação dada pela Instrução Normativa no. 112/2022 do DREI, consigna que "a representação do espólio em atos societários que não impliquem em transferência patrimonial pode ser realizada pelo inventariante, sendo necessário apresentar o termo de inventariança".
Da responsabilidade do espólio ou dos herdeiros de sócio pelas obrigações sociais anteriores ao óbito.
No tocante à responsabilidade, dispõe o Artigo 1.032 do CC/2002 que "a retirada, exclusão ou morte do sócio, não o exime, ou a seus herdeiros, da responsabilidade pelas obrigações sociais anteriores, até dois anos após averbada a resolução da sociedade; nem nos dois primeiros casos, pelas posteriores e em igual prazo, enquanto não se requerer a averbação".
Por sua vez, segundo os Parágrafos únicos dos Artigos 1.003 e 1.057 do CC/2002, respectivamente, "até dois anos depois de averbada a modificação do contrato, responde o cedente solidariamente com o cessionário, perante a sociedade e terceiros, pelas obrigações que tinha como sócio", e "a cessão terá eficácia quanto à sociedade e terceiros, inclusive para os fins do parágrafo único do art. 1.003, a partir da averbação do respectivo instrumento, subscrito pelos sócios anuentes."
Ao comentar o Artigo 1.032 do CC/2002, Sérgio Campinho (Curso de direito comercial: direito de empresa, 15a. edição, com prefácio de Sylvio Capanema de Souza - São Paulo: Editora Saraiva Educação, 2018) esclarece que:
"A retirada, exclusão ou morte do sócio não o exonera, ou a seus herdeiros ou sucessores, da responsabilidade pelas obrigações sociais anteriores ao fato. Essa responsabilidade perdura por dois anos, contados da averbação, no registro, da resolução da sociedade em relação ao sócio que se retirou, foi excluído ou faleceu (art. 1.032).
Nos casos de retirada ou exclusão, persistirá a responsabilidade do sócio retirante ou excluído pelas dívidas sociais que forem contraídas posteriormente ao ato, por igual prazo de dois anos, enquanto não se requerer a averbação.
Dessa feita, se o sócio X se retira da sociedade e só requer a averbação da retirada no registro da sociedade, vinte dias após, contraindo a pessoa jurídica dívidas no interregno, o indigitado sócio ficará por dois anos por elas responsável. Só a partir do requerimento é que efetivamente estará livre de responder pelas obrigações da sociedade.
(...)
Por fim, a morte do sócio não exime seus herdeiros das responsabilidades pelas obrigações sociais anteriores ao falecimento, o que perdurará até dois anos após a averbação da resolução da sociedade (art. 1.032). Fundamentalmente responderão, solidariamente com os outros cotistas, pela integralização do capital social, caso, por evidente, não se encontre integralizado na data do óbito. A responsabilidade, entretanto, circunscreve-se às forças da herança (art. 1.997)."
Contudo, conforme decidiu o Superior Tribunal de Justiça quando do julgamento, por exemplo, do Recurso Especial no. 1.816.794/PR, do Agravo Interno nos Embargos de Declaração no Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial no. 1.226.128/SP e do Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial no. 1.554.017/SP, na desconsideração da personalidade jurídica, "não incidem os prazos prescricionais previstos para os casos de retirada de sócio da sociedade (arts. 1003, 1.032 e 1.057 do Código Civil)", ou seja, "são inaplicáveis as regras de responsabilidade ordinárias dos sócios, em se tratando de desconsideração da personalidade jurídica, fundada na existência de abuso de direito" "quando a parte ainda integrava o quadro societário da pessoa jurídica alvo da execução".
A propósito, saliente-se que, segundo o decidido pelo Superior Tribunal de Justiça quando do julgamento do Recurso Especial no. 1.169.175/DF e do Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial no. 866.305/MA, "a responsabilidade dos sócios alcançados pela desconsideração da personalidade jurídica da sociedade não se limita ao capital integralizado" ou às quotas sociais, respondendo os sócios ou administradores atingidos "com todos os seus bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei", "sob pena de frustrar a satisfação do credor lesado pelo desvio de finalidade ou confusão patrimonial."
Por outro lado, vale lembrar que, segundo os Artigos 1.792 e 1997 do CC/2002, respectivamente, "o herdeiro não responde por encargos superiores às forças da herança" e "a herança responde pelo pagamento das dívidas do falecido; mas, feita a partilha, só respondem os herdeiros, cada qual em proporção da parte que na herança lhe coube", ou seja, como melhor consignado no Artigo 796 do CPC/2015, "o espólio responde pelas dívidas do falecido, mas, feita a partilha, cada herdeiro responde por elas dentro das forças da herança e na proporção da parte que lhe coube".
Por oportuno, cumpre transcrever aqui as ponderações consignadas pelo Superior Tribunal de Justiça quando do julgamento do Recurso Especial no. 1.645.672/SP:
"é imperioso lembrar que o regime da sucessão societária é sensivelmente distinto, especialmente no que tange à responsabilização patrimonial em cada caso. Assim, aquele que adentra o quadro societário, passa a responder integralmente pela sociedade, conforme o regime jurídico aplicável à espécie societária, podendo eventualmente ser chamado a responder com seu patrimônio pessoal perante credores da empresa. De outra banda, não havendo sucessão societária e optando os herdeiros pelo recebimento dos valores correspondentes às quotas liquidadas, ainda que chamados a responder por dívidas sociais relativas ao biênio anterior ao óbito do sócio pré-morto (art. 1.032 do CC/02), terão para si o benefício da limitação da responsabilidade ao valor do quinhão herdado (CAMPINHO, Sérgio. O direito de empresa: à luz do Código Civil. 12a ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2011, p. 210), de modo que seu patrimônio pessoal jamais será chamado a responder por dívidas sociais (CAVALLI, Cássio. Sociedades Limitadas: regime de circulação das quotas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 154)."
Da prescrição relativa à apuração de haveres.
Por fim, no que toca à prescrição relativa à apuração de haveres, o Superior Tribunal de Justiça fixou o entendimento de que se aplica o prazo prescricional decenal previsto no Artigo 205 do CC/2002, conforme decidido, por exemplo, nos Recursos Especiais no. 1.139.593/SC e 1.505.428/RS, e, ainda, no Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial no. 860.690/SP, variando, em cada caso concreto, o termo inicial do prazo prescricional.
Contudo, alertamos para o risco de aplicação do prazo prescricional quinquenal previsto no Artigo 206, §5o., inciso I, do CC/2002, na hipótese dos sócios remanescentes liquidarem as quotas do sócio falecido extrajudicialmente, com a concordância do espólio e/ou dos sucessores, mas a sociedade deixar de fazer o pagamento a quem de direito em tal prazo.
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