Talvez poucos saibam disso, mas a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça consolidou-se no sentido de que os depósitos realizados na conta vinculada ao FGTS do outro cônjuge ou companheiro durante a constância do casamento ou união estável integram a meação, ainda que não tenham sido sacados ou não sejam sacados no momento da dissolução da união conjugal ou estável, seja o regime de bens aplicável o da comunhão parcial ou universal (raciocínio que pode também ser aplicado ao regime da participação final nos aquestos, bem como ao regime da separação obrigatória, por força do Enunciado de Súmula no 377 do Supremo Tribunal Federal), excluindo-se apenas o regime da separação (convencional) de bens.
Tal entendimento jurisprudencial decorre da interpretação de que os depósitos do FGTS correspondem a frutos civis do trabalho, bem como de interpretação (a nosso ver, acertadamente) restritiva do artigo 1.659, inciso VI, e do artigo 1.668, inciso V, ambos da Lei no 10.406/2002 (“Código Civil de 2002”), no sentido de que a incomunicabilidade dos proventos prevista em tais dispositivos legais se aplicaria apenas aos valores percebidos em momento anterior ou posterior ao casamento, sob pena de se desvirtuar a própria natureza daqueles regimes de bens.
Neste sentido, confira-se abaixo o comentário muito elucidativo acerca do tema constante do Informativo de Jurisprudência no 581/2016 do Superior Tribunal de Justiça, bem como os precedentes que o seguem:
Informativo de Jurisprudência no 581/2016 do Superior Tribunal de Justiça:
“DIREITO CIVIL. INEXISTÊNCIA DE MEAÇÃO DE VALORES DEPOSITADOS EM CONTA VINCULADA AO FGTSANTES DA CONSTÂNCIA DA SOCIEDADE CONJUGAL SOB O REGIME DA COMUNHÃO PARCIAL.
Diante do divórcio de cônjuges que viviam sob o regime da comunhão parcial de bens, não deve ser reconhecido o direito à meação dos valores que foram depositados em conta vinculada ao FGTS em datas anteriores à constância do casamento e que tenham sido utilizados para aquisição de imóvel pelo casal durante a vigência da relação conjugal. Diverso é o entendimento em relação aos valores depositados em conta vinculada ao FGTS na constância do casamento sob o regime da comunhão parcial, os quais, ainda que não sejam sacados imediatamente à separação do casal, integram o patrimônio comum do casal, devendo a CEF ser comunicada para que providencie a reserva do montante referente à meação, a fim de que, num momento futuro, quando da realização de qualquer das hipóteses legais de saque, seja possível a retirada do numerário pelo ex-cônjuge. Preliminarmente, frise-se que a cada doutrina pesquisada no campo do Direito do Trabalho, um conceito e uma natureza diferentes são atribuídos ao Fundo, não sendo raro alguns estudiosos que o analisam a partir de suas diversas facetas: a do empregador, quando, então sua natureza seria de obrigação; a do empregado, para quem o direito à contribuição seria um salário; e a da sociedade, cujo caráter seria de fundo social. Nesse contexto, entende-se o FGTS como o "conjunto de valores canalizados compulsoriamente para as instituições de Segurança Social, através de contribuições pagas pelas Empresas, pelo Estado, ou por ambos e que tem como destino final o patrimônio do empregado, que o recebe sem dar qualquer participação especial de sua parte, seja em trabalho, seja em dinheiro". No que diz respeito à jurisprudência, o Tribunal Pleno do STF (ARE 709.212-DF, DJe 19/2/2015, com repercussão geral reconhecida), ao debater a natureza jurídica do FGTS, afirmou que, desde que o art. 7º, III, da CF expressamente arrolou o FGTS como um direito dos trabalhadores urbanos e rurais, "tornaram-se desarrazoadas as teses anteriormente sustentadas, segundo as quais o FGTS teria natureza híbrida, tributária, previdenciária, de salário diferido, de indenização, etc.", tratando-se, "em verdade, de direito dos trabalhadores brasileiros (não só dos empregados, portanto), consubstanciado na criação de um 'pecúlio permanente', que pode ser sacado pelos seus titulares em diversas circunstâncias legalmente definidas (cf. art. 20 da Lei 8.036/1990)". Nesse mesmo julgado, ratificando entendimento doutrinário, afirmou-se, quanto à natureza do FGTS, que "não se trata mais, como em sua gênese, de uma alternativa à estabilidade (para essa finalidade, foi criado o seguro-desemprego), mas de um direito autônomo". A Terceira Turma do STJ, por sua vez, já sustentou que "o FGTS integra o patrimônio jurídico do empregado desde o 1º mês em que é recolhido pelo empregador, ficando apenas o momento do saque condicionado ao que determina a lei" (REsp 758.548-MG, DJ 13/11/2006) e, em outro julgado, estabeleceu que esse mesmo Fundo, que é "direito social dos trabalhadores urbanos e rurais", constitui "fruto civil do trabalho" (REsp 848.660-RS, DJe 13/5/2011). No tocante à doutrina civilista, parte dela considera os valores recebidos a título de FGTS como ganhos do trabalho e pondera que, "no rastro do inciso VI do artigo 1.659 e do inciso V do artigo 1.668 do Código Civil, estão igualmente outras rubricas provenientes de verbas rescisórias trabalhistas, como o FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço), pois como se referem à pessoa do trabalhador devem ser tratadas como valores do provento do trabalho de cada cônjuge". Aduz-se, ainda, o "entendimento de que as verbas decorrentes do FGTS se incluem na rubrica proventos". Nesse contexto, deve-se concluir que o depósito do FGTS representa "reserva personalíssima, derivada da relação de emprego, compreendida na expressão legal 'proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge' (CC, art. 1559, VI)". De fato, pela regulamentação realizada pelo aludido art. 1.659, VI, do CC/2002 - segundo o qual "Excluem-se da comunhão: [...] "os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge" -, os proventos de cada um dos cônjuges não se comunicam no regime da comunhão parcial de bens. No entanto, apesar da determinação expressa do CC no sentido da incomunicabilidade, realçou-se, no julgamento do referido REsp 848.660-RS, que "o entendimento atual do Superior Tribunal de Justiça, reconhece que não se deve excluir da comunhão os proventos do trabalho recebidos ou pleiteados na constância do casamento, sob pena de se desvirtuar a própria natureza do regime", visto que a "comunhão parcial de bens, como é cediço, funda-se na noção de construção de patrimônio comum durante a vigência do casamento, com separação, grosso modo, apenas dos bens adquiridos ou originados anteriormente". Ademais, entendimento doutrinário salienta que "Não há como excluir da universalidade dos bens comuns os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge (CC, art. 1.659, VI) [...] sob pena de aniquilar-se o regime patrimonial, tanto no casamento como na união estável, porquanto nesta também vigora o regime da comunhão parcial (CC, art. 1.725)", destacando-se ser "Flagrantemente injusto que o cônjuge que trabalha por contraprestação pecuniária, mas não converte suas economias em patrimônio, seja privilegiado e suas reservas consideradas crédito pessoal e incomunicável". Ante o exposto, tem-se que o dispositivo legal que prevê a incomunicabilidade dos proventos (isto é, o art. 1.659, VI, do CC/2002) aceita apenas uma interpretação, qual seja, o reconhecimento da incomunicabilidade daquela rubrica apenas quando percebidos os valores em momento anterior ou posterior ao casamento. Portanto, os proventos recebidos na constância do casamento (e o que deles advier) reforçam o patrimônio comum, devendo ser divididos em eventual partilha de bens. Nessa linha de ideias, o marco temporal a ser observado deve ser a vigência da relação conjugal. Ou seja, os proventos recebidos, por um ou outro cônjuge, na vigência do casamento compõem o patrimônio comum do casal, a ser partilhado na separação, tendo em vista a formação de sociedade de fato, configurada pelo esforço comum dos cônjuges, independentemente de ser financeira a contribuição de um dos consortes e do outro. Dessa forma, deve-se considerar o momento em que o titular adquiriu o direito à recepção dos proventos: se adquiridos durante o casamento, comunicam-se as verbas recebidas; se adquiridos anteriormente ao matrimônio ou após o desfazimento do vínculo, os valores pertencerão ao patrimônio particular de quem tem o direito a seu recebimento. Aliás, foi esse o raciocínio desenvolvido no julgamento do REsp 421.801-RS (Quarta Turma, DJ 15/12/2003): "Não me parece de maior relevo o fato de o pagamento da indenização e das diferenças salariais ter acontecido depois da separação, uma vez que o período aquisitivo de tais direitos transcorreu durante a vigência do matrimônio, constituindo-se crédito que integrava o patrimônio do casal quando da separação. Portanto, deveria integrar a partilha". Na mesma linha, a Terceira Turma do STJ afirmou que, "No regime de comunhão universal de bens, admite-se a comunicação das verbas trabalhistas nascidas e pleiteadas na constância do matrimônio e percebidos após a ruptura da vida conjugal" (REsp 355.581-PR, DJ 23/6/2003). No mais, as verbas oriundas do trabalho referentes ao FGTS têm como fato gerador a contratação desse trabalho, regido pela legislação trabalhista. O crédito advindo da realização do fato gerador se efetiva mês a mês, juntamente com o pagamento dos salários, devendo os depósitos serem feitos pelo empregador até o dia 7 de cada mês em contas abertas na CEF vinculadas ao contrato de trabalho, conforme dispõe o art. 15 da Lei n. 8.036/1990. Assim, deve ser reconhecido o direito à meação dos valores do FGTS auferidos durante a constância do casamento, ainda que o saque daqueles valores não seja realizado imediatamente à separação do casal. A fim de viabilizar a realização daquele direito reconhecido, nos casos em que ocorrer, a CEF deverá ser comunicada para que providencie a reserva do montante referente à meação, para que, num momento futuro, quando da realização de qualquer das hipóteses legais de saque, seja possível a retirada do numerário. REsp 1.399.199-RS, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, Rel. para acórdão Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 9/3/2016, DJe 22/4/2016.”
Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial no 331.533/SP, julgado pela Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça em 10 de abril de 2018:
“PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA. MEAÇÃO. FGTS. VERBA PARTILHÁVEL. JURISPRUDÊNCIA SEDIMENTADA DESTA CORTE. DECISÃO MANTIDA. 1. Segundo entendimento consolidado nesta Corte, indenizações de natureza trabalhista, quando adquiridas na constância do casamento, integram a meação, seja o regime de comunhão parcial ou universal de bens. 2. Reconhecido o direito à meação dos valores do FGTS auferidos durante a constância do casamento, ainda que não sacados imediatamente após a separação do casal. Precedentes. 3. Agravo interno a que se nega provimento.” (Grifos nossos)
Recurso Especial no 1.399.199/RS, julgado pela Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça em 09 de março de 2016:
“RECURSO ESPECIAL. CASAMENTO. REGIME DE COMUNHÃO PARCIAL DE BENS. DOAÇÃO FEITA A UM DOS CÔNJUGES. INCOMUNICABILIDADE. FGTS. NATUREZA JURÍDICA. PROVENTOS DO TRABALHO. VALORES RECEBIDOS NA CONSTÂNCIA DO CASAMENTO. COMPOSIÇÃO DA MEAÇÃO. SAQUE DIFERIDO. RESERVA EM CONTA VINCULADA ESPECÍFICA. 1. No regime de comunhão parcial, o bem adquirido pela mulher com o produto auferido mediante a alienação do patrimônio herdado de seu pai não se inclui na comunhão. Precedentes. 2. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do ARE 709.212/DF, debateu a natureza jurídica do FGTS, oportunidade em que afirmou se tratar de "direito dos trabalhadores brasileiros (não só dos empregados, portanto), consubstanciado na criação de um pecúlio permanente, que pode ser sacado pelos seus titulares em diversas circunstâncias legalmente definidas (cf. art. 20 da Lei 8.036/1995)". (ARE 709212, Relator (a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 13/11/2014, DJe-032 DIVULG 18-02-2015 PUBLIC 19-02-2015) 3. No âmbito do Superior Tribunal de Justiça, a Egrégia Terceira Turma enfrentou a questão, estabelecendo que o FGTS é "direito social dos trabalhadores urbanos e rurais", constituindo, pois, fruto civil do trabalho. (REsp 848.660/RS, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, DJe 13/05/2011) 4. O entendimento atual do Superior Tribunal de Justiça é o de que os proventos do trabalho recebidos, por um ou outro cônjuge, na vigência do casamento, compõem o patrimônio comum do casal, a ser partilhado na separação, tendo em vista a formação de sociedade de fato, configurada pelo esforço comum dos cônjuges, independentemente de ser financeira a contribuição de um dos consortes e do outro não. 5. Assim, deve ser reconhecido o direito à meação dos valores do FGTS auferidos durante a constância do casamento, ainda que o saque daqueles valores não seja realizado imediatamente à separação do casal. 6. A fim de viabilizar a realização daquele direito reconhecido, nos casos em que ocorrer, a CEF deverá ser comunicada para que providencie a reserva do montante referente à meação, para que num momento futuro, quando da realização de qualquer das hipóteses legais de saque, seja possível a retirada do numerário. 7. No caso sob exame, entretanto, no tocante aos valores sacados do FGTS, que compuseram o pagamento do imóvel, estes se referem a depósitos anteriores ao casamento, matéria sobre a qual não controvertem as partes. 8. Recurso especial a que se nega provimento.” (Grifos nossos)
A propósito, destaca-se que parte da doutrina contemporânea comunga dos fundamentos utilizados pelo Superior Tribunal de Justiça nos precedentes ementados acima.
A título ilustrativo, confira-se abaixo as lições de Maria Berenice Dias e Flávio Tartuce especificamente acerca do artigo 1.659, inciso VI, do Código Civil de 2002, in verbis:
Maria Berenice Dias (Manual de direito das famílias – ampliada, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, página 317):
“Absolutamente desarrazoado excluir da universalidade dos bens comuns os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge (CC 1.659 VI), bem como as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes (CC 1.659 VII). Injusto que o cônjuge que trabalha por contraprestação pecuniária, mas não converte suas economias em patrimônio, seja privilegiado e suas reservas consideradas crédito pessoal e incomunicável. Tal lógica compromete o equilíbrio da divisão das obrigações familiares. O casamento gera comunhao de vidas (CC 1.511). Os cônjuges têm o dever de mútua assistência (CC 1.566 lll) e são responsáveis pelos encargos da família (CC 1.565). Assim, se um dos consortes adquire os bens para o lar comum, enquanto o outro apenas guarda o dinheiro que recebe de seu trabalho, os bens adquiridos por aquele serão partilhados, enquanto o que este entesourou resta injustificadamente incomunicável.”
Flávio Tartuce (Manual de direito civil: volume único – 6a edição, revista, atualizada e ampliada, São Paulo: Editora Método, 2016, páginas 1.266 a 1.268):
“Do esquema acima, destaque-se que os bens comunicáveis formam os aquestos, sobre os quais o outro cônjuge tem direito à meação. Entretanto, há bens que não se comunicam nesse regime, descritos no art. 1 .659 do CC:
(…)
VI - Os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge, o que inclui o salário, as remunerações em sentido amplo e a aposentadoria. Há problema técnico em relação a tal comando, pois se interpretado na literalidade, nada ou quase nada se comunicará nesse regime. Desse modo, na esteira da melhor doutrina, a norma merece interpretação restritiva. A correta interpretação deve ser no sentido de que se os proventos forem recebidos durante a união haverá comunicação, prevalecendo a norma do art. 1 .688 do CC. Diante desse problema, o PL 699/201 1 (antigo PL 6.960/2002) pretende revogar a previsão, o que viria em boa hora. Sem prejuízo dessa proposta, cumpre anotar o entendimento de Silmara Juny de Abreu Chinellato, para quem não haveria comunicação, por essa norma, dos rendimentos de direitos patrimoniais do autor, tidos como proventos do seu trabalho. Por uma questão de valorização da atuação intelectual do autor, gerador de verdadeiro direito de personalidade, filia-se a tal forma de pensar.
(…)
Por outra via, o art. 1.660 da codificação material traz o rol dos bens comunicáveis no regime, a saber: I - Os bens adquiridos na constância do casamento a título oneroso, ainda que em nome de somente um dos cônjuges. Essa previsão entra em conflito com o inciso VI do art. 1.659, devendo prevalecer, pois relacionada com o próprio espírito do regime.”
Neste contexto, tudo leva a crer que haveria também uma convergência de entendimentos desses doutrinadores com o Superior Tribunal de Justiça no caso específico da comunicabilidade dos depósitos do FGTS.
Por oportuno, faz-se importante destacar ainda que os mesmos fundamentos expostos acima poderiam perfeitamente ser aplicados também aos depósitos do PIS-PASEP, não havendo, ao nosso ver, qualquer razão que justifique uma diferença de tratamento nesse caso.
Assim sendo, caso:
(i) você se encontre em vias de se divorciar ou de dissolver a sua união estável, ou ainda no curso do processo de divórcio ou de dissolução de união estável;
(ii) o seu regime de bens seja o da comunhão parcial, comunhão universal, participação final nos aquestos ou separação obrigatória; e
(iii) o seu cônjuge ou companheiro tenha recebido depósitos nas respectivas contas vinculadas ao FGTS e/ou ao PIS-PASEP durante a constância do casamento ou da união estável, ou caso os depósitos realizados após a dissolução da união conjugal ou estável se refiram a períodos trabalhados durante a constância do casamento ou da união estável,
você poderá pleitear em juízo a inclusão de tais depósitos no patrimônio comum a ser partilhado entre o casal, de forma que a sua meação seja contemplada com metade dos respectivos valores.
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