Não obstante o Princípio de Saisine, positivado no Artigo 1.784 da Lei no. 10.406/2002 ("CC/2002"), segundo o qual, aberta a sucessão (com a morte), "a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentário", o ordenamento jurídico brasileiro prevê diferentes sistemas para o efetivo recebimento, disponibilidade ou partilha dos bens e direitos deixados pelo falecido, ou pelo menos para a regularização/legalização de tal recebimento, disponibilidade ou partilha, a saber, o Inventário Judicial pelo rito tradicional, o Inventário Judicial pelo rito de Arrolamento Sumário, o Inventário Judicial pelo rito de Arrolamento Comum, o Inventário Extrajudicial, o levantamento de determinados valores diretamente por meio administrativo com base na Lei no. 6.858/1980, o Pedido de Alvará Judicial e a habilitação direta dos sucessores nos Processos Judiciais em tramitação quando do falecimento.
O Inventário Judicial pelo rito tradicional é o procedimento de inventário judicial mais complexo e demorado, disciplinado nos Artigos 610 a 658 da Lei no. 13.105/2015 ("CPC/2015") c/c os Artigos 1.991 a 2.027 do CC/2002.
O Inventário Judicial pelo rito de Arrolamento Sumário é o procedimento de inventário judicial simplificado disciplinado nos Artigos 659 a 663 do CPC/2015 e adotado nos casos em que só há um interessado ou em que todos os interessados estão de acordo quanto à partilha e não há interessado civilmente incapaz.
O Inventário Judicial pelo rito de Arrolamento Comum é o procedimento de inventário judicial simplificado disciplinado nos Artigos 664 e 665 do CPC/2015 e adotado nos casos em que os bens inventariados têm valor total igual ou inferior a 1.000 salários mínimos, podendo ser adotado inclusive se houver interessado incapaz, desde que concordem todos os interessados e o Ministério Público.
Por oportuno, cumpre esclarecer aqui que o Inventário Judicial pelo rito de Arrolamento (Sumário ou Comum) não se confunde com a medida cautelar de Arrolamento de Bens prevista no Artigo 301 e no § 1o. do Artigo 381, ambos do CPC/2015, pois esta visa à prática de atos de apreensão e/ou de documentação dos bens para fins de asseguração do direito, nem se confunde com o Arrolamento de Bens previsto no Artigo 740 do CPC/2015, pois este só tem lugar em relação à herança jacente.
Por sua vez, o Inventário Extrajudicial é disciplinado nos §§ 1o. e 2o. do Artigo 610 do CPC/2015, no Artigo 2.015 do CC/2002, na Resolução no. 35/2007 do Conselho Nacional de Justiça e nas normas editadas pelos Tribunais de Justiça, podendo ser adotado por conveniência dos interessados nos casos em que só há um interessado ou em que todos os interessados estão de acordo quanto à partilha e não há interessado civilmente incapaz nem Testamento válido, com as seguintes ressalvas:
(i) o Provimento no. 87/2022 da Corregedoria Geral da Justiça do Estado do Rio de Janeiro ("CGJ/RJ"), publicado em 19 de dezembro de 2022, que aprovou o novo Código de Normas da Corregedoria Geral da Justiça do Estado do Rio de Janeiro - Parte Extrajudicial, introduzindo diversas alterações na disciplina dos Inventários Extrajudiciais formalizados no Estado do Rio de Janeiro, todas com o intuito de facilitar ou viabilizar ainda mais a desjudicialização dos Inventários, passou a admitir, em seu Artigo 444, Parágrafo único c/c Artigo 447 e seguintes, embora sem respaldo na Resolução no. 35/2007 do CNJ, a formalização de Inventário Extrajudicial com participação de herdeiro incapaz, desde que cada um dos bens seja partilhado a todos os herdeiros e ao cônjuge em proporção ao respectivo quinhão ideal ou desde que obtido Alvará Judicial expedido pelo juízo orfanológico competente, Alvará este exigível também no caso de adjudicação ao herdeiro único incapaz;
(ii) antes mesmo do Provimento no. 87/2022 da CGJ/RJ, alguns Juízes de outros Estados já admitiam a realização do Inventário Extrajudicial mesmo em havendo interessado civilmente incapaz, mediante prévia propositura de um pedido judicial de providências, sem incidência de custas processuais, anexando a documentação pertinente para análise e manifestação do Ministério Público, desde que a partilha se dê de forma ideal, de modo a eliminar o risco de prejuízo ao interessado civilmente incapaz (o que, de igual modo, deveria permitir a realização do Arrolamento Sumário em havendo interessado civilmente incapaz) - quanto ao tema, fazemos remissão ao Artigo "Um passo adiante", do Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM, aos Autos Processuais no. 1002882-02.2021.8.26.0318 e à Portaria no. 5914-12/2021 do Juiz de Direito Edinaldo Muniz dos Santos, titular da Vara de Registros Públicos, Órfãos e Sucessões e de Cartas Precatórias Cíveis da Comarca de Rio Branco, no Estado do Acre; e
(iii) normas editadas por diversos Tribunais de Justiça admitem a realização do Inventário Extrajudicial mesmo se o falecido tiver deixado Testamento válido, desde que proposta Ação de Abertura, Registro e Cumprimento de Testamento e obtida autorização do Juiz competente para tal fim, entendimento este que foi corroborado pelo Superior Tribunal de Justiça quando do julgamento do Recurso Especial no. 1.808.767/RJ.
A par dos diferentes procedimentos de Inventário mencionados acima, a Lei no. 6.858/1980, regulamentada pelo Decreto no. 85.845/1981, permite aos dependentes habilitados perante a Previdência Social o levantamento diretamente por meio administrativo de determinados valores de reduzida monta não recebidos em vida pelo falecido, independentemente de Inventário e de prévia obtenção de Alvará Judicial, desde que não haja Inventário em tramitação nem outros bens a inventariar, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça manifestado quando do julgamento do Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial no. 1.625.836/MG, por exemplo.
Por outro lado, nos casos em que os valores a serem levantados se enquadram na Lei no. 6.858/1980 e não há dependentes habilitados perante a Previdência Social nem Inventário em tramitação ou outros bens a inventariar, podem os sucessores previstos no CC/2002 ingressar em juízo com um PEDIDO DE ALVARÁ JUDICIAL, o qual tramita num procedimento bem simplificado e que normalmente resulta na expedição de Ofícios Judiciais dirigidos aos órgãos e instituições pagadoras, requisitando a transferência dos valores para uma conta judicial visando à sua liberação em favor dos sucessores nos próprios Autos Processuais, mas pode resultar, alternativamente, na expedição de um documento de autorização judicial denominado Alvará Judicial, o qual deve então ser apresentado pelos sucessores aos referidos órgãos e instituições para fins de levantamento dos valores em questão, sendo certo que o procedimento mencionado acima não se confunde com o documento de autorização judicial que leva o mesmo nome e que também é frequentemente expedido de forma incidental nos demais Processos Judiciais em geral, inclusive nos Inventários, para a prática de determinado ato, como venda de bens ou levantamento de valores, por exemplo.
A propósito, cumpre salientar que a possibilidade de levantamento de determinados valores não recebidos em vida pelo falecido prevista na Lei no. 6.858/1980 é corroborada pelo Artigo 666 do CPC/2015 e por dispositivos de algumas outras Leis específicas, como, por exemplo, o Artigo 34 da Lei no. 7.713/1988, o inciso IV do Artigo 20 da Lei no. 8.036/1990, o Artigo 112 da Lei no. 8.213/1991 e os §§ 4o., 4o.-A e 5o. do Artigo 4o. da Lei Complementar no. 26/1975.
Adicionalmente, é possível que o falecido fosse parte em Processos Judiciais em tramitação e haja valores presentes ou futuros a receber no bojo de tais Processos. Neste contexto, é possível a habilitação direta dos sucessores em tais Processos Judiciais, conforme previsto no § 2o. do Artigo 313 c/c os Artigos 687 a 692, todos do CPC/2015, desde que não haja Inventário em tramitação nem outros bens a inventariar, caso contrário, só o Espólio, representado pelo Inventariante, terá legitimidade para se habilitar em tais Processos Judiciais, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça manifestado quando do julgamento do Recurso Especial no. 1.355.479/SP, por exemplo.
Assim, como visto, cabe ao advogado analisar o caso concreto para identificar qual dos sistemas elencados acima é o mais adequado para viabilizar, da forma mais econômica e prática possível, o efetivo recebimento, disponibilidade ou partilha dos bens e direitos deixados pelo falecido e/ou sua regularização/legalização.
Caso você tenha ficado com alguma dúvida sobre o exposto acima, fique à vontade para deixá-la nos Comentários abaixo e/ou entre em contato conosco através do nosso Chat ou do nosso WhatsApp para que possamos tentar saná-la tão logo possível.
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